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sexta-feira, 23 de dezembro de 2016

Eu ainda não entreguei os pontos...ainda!



Um dia para o Natal! Uma angústia profunda... Nunca foi uma época que eu gostei, nem quando criança pois temia o Papai Noel, depois cresci e comicamente fui trabalhar com vários deles, todos os anos na época de Natal, teatralmente. Esse natal de 2016 tem um gosto de tristeza, não há como fechar os olhos e comer peru se empanturrando de espumante sem pensar nas atrocidades que o mundo tem passado. A guerra na Síria, o atual presidente do país e toda a corrupção abusiva vindo à tona, nosso Estado do Rio Grande do Sul quebrado com um governador que extinguiu diversas fundações importantes... tem um cheiro podre no ar...talvez o "peru" queimou.
Há os que conseguem fechar os olhos e seguir na sua redoma de vidro, achando que são impenetráveis, que nada vai lhes acontecer, afinal eles tem dinheiro e abusam da arrogância para humilhar os outros.
Hás o que continuam postando cada ação do seu dia nas redes sociais, fingindo ser o que não são, os "carentes" em busca de curtidas e papos fúteis. Há os que argumentam e brigam por tudo e na verdade não sabem nada, há os politizados, que sempre tem um discurso ensaiado para tudo, o ano mal termina e eles já se preocupam em "como  vai ser?", "mudou o partido", "quem vai assumir tal pasta".
Ando sem paciência para isso tudo e triste também por presenciar isso tudo. O que fazer? Entregar os pontos, tomar rivotril, tornar-me apática, entrar no sistema corrupto, mentir, bajular? Como olhar minha filha dormir tranquila e feliz e pensar em toda a Guerra da Síria e em quantas crianças que como ela perderam a vida, ou nos pais que perderam e perdem seus filhos assim, "do nada", porque o país estava dando certo, porque é um dos únicos que o petróleo ainda era deles, gerenciado por eles. O jogo do interesse faz isso! Seres humanos matando seres humanos! Bolsos cheios, carro do ano, plástica, jatinho particular, namoradas 50 anos mais jovens (nada contra falo especialmente dos políticos)... Pra mim e muitos outros é difícil ver isso e não ficar tocado, cansado, triste e sem ação.


Eu ainda faço Arte, a que eu acredito mas me pergunto...até quando vou conseguir fazer? Até quando minha arte poderá de fato fazer a diferença e não cair nas "políticas públicas" e no "tapinha nas costas"? Até quando vou seguir correndo, estudando, fazendo mil coisas pela arte que acredito valha a pena. Tudo parece escuro...tudo parece um pouco confuso. Porque se preocupar? Pra quem fazer a diferença? Anos de luta aqui no Sul foram por água abaixo com cortes e pacotes absurdos... nosso país em crise de valores total, violência crescendo, guerras e guerras eclodindo, catástrofes... é de tirar o fôlego! Parece que carregamos nas costas o peso do mundo, um mundo de trevas, de escuridão... parece um retorno a Idade Média...
Vida segue! Natal vem aí! Podemos fingir que nada está acontecendo e tirar selfies pomposas para garantir inveja alheia ou ficarmos em reflexão e oração. Sim amigos, rezar ainda é o que nos resta! Afinal só se pode juntar as mãos, quando estas estão vazias...















Eu desejo a todos um Natal reflexivo, de introspecção, que nos voltemos para dentro de nós e repensemos os nossos valores e crenças, lembremos do outro, o outro que pode ser meu vizinho, minha família, meu aluno, ou um desconhecido. Que não nos percamos de nós em primeiro lugar e saibamos estender a mão ao outro... acredito que de algum lugar do UNIVERSO alguém nos envia tolerância, luz, vida e amor para nossas almas. Feliz Natal, então...

sexta-feira, 16 de dezembro de 2016

Quando o artista não atrapalha a si mesmo...


Segundo Rollo May, em seu livro "A Coragem de Criar", ao longo da história artistas e cientistas concordam que, em seus melhores momentos, sentem que algo fala através deles. Eles conseguiram, de alguma forma, não atrapalhar a si mesmos. Alguns dizem que Deus fala através deles. Outros afirmam, em estilo mais modesto, que a fim de não atrapalhar a si mesmos e evitar o lobo frontal do cérebro, vão dar um passeio na floresta ou tiram uma soneca. Eles têm de tirar a cabeça daquilo que estão tentando fazer, a fim de obter as conexões mais inspiradas. A mente está sempre alerta para emboscar o processo. As descobertas e os achados acontecem quando você consegue não atrapalhar a si mesmo.
Não podemos criar resultados, só podemos criar as condições para algo acontecer. Os resultados surgem por si só! Cada artista precisa de seu espaço dentro de sua criação para fazer o seu próprio trabalho. Ensaiar não é forçar as coisas acontecerem, é ouvir.

Mas há diretores e atores que não sabem ouvir, e acabam atrapalhando seu processo de criação e consequentemente a si mesmos... às vezes você só tem de fazer, e não pedir opiniões de como fazer. Siga seu impulso, siga sua intuição, acredite na sua primeira ideia, aquela que você insiste em trocar e dizer que não está boa...

A parte do cérebro que pode facilmente desviá-lo de sua rota é conhecida como lobo frontal. Ela produz aquele zumbido permanente em sua cabeça que quer censurá-lo e está a espreita pronto para atacar qualquer movimento que você faça. Para encontrar um fluxo criativo, você tem que ocupar o lobo frontal com algum outro trabalho para que ele não se coloque no seu caminho. Só então, uma vez contornado o obstáculo do zumbido penetrante, é que você pode começar a seguir uma pista estética ou um capricho criativo. Somente depois disso, você pode começar a confiar em seus instintos. Uma vez que você estiver livre para ser espontâneo, a intuição poderá ser seu guia.

Os artistas insistem em se preocupar demais com a crítica alheia, com o crivo do "fulano de tal" e esquecem de olhar para dentro de si, de buscarem respostas na sua inspiração. Atrapalham-se! Perdem tempo com espetáculos desnecessários que não agregam em nada e enchem momentaneamente o bolso de dinheiro para um "extra teatral" sem valor estético e social algum.

O artista que não se atrapalha, sabe que a arte começa na luta pelo equilíbrio. O desequilíbrio produz uma dificuldade que é mais atraente e frutífera. De repente você se encontra fora do seu elemento e fora de controle É aí que a aventura começa. Quando se aceita de bom grado o desiquilíbrio, você sai exatamente da sua zona de conforto e se sente pequeno e inadequado diante da tarefa que tem pela frente. Mas os resultados desse empenho são muito mais satisfatórios.

Minha pesquisa "O Ator e Sua Verdade" vem dentro desta perspectiva de treinamento e descoberta do ator, primeiro ele precisa se auto conhecer e organizar suas emoções e depois se expor. S ele tiver humildade e disponibilidade suficiente para isso, e não atrapalhar o processo ele sairá da sua zona de conforto e é aí, que a Arte/vida começa. O desconforto provoca interesse, busca, pesquisa, medo, a curiosidade. Ser ator é muito mais que "vestir" um personagem e dar intenção a este ou aquele texto, para criar um personagem antes, você precisa mergulhar dentro de si, as respostas estarão todas ali, dentro de você, das suas experiências e vivências e também carências e insuficiências... é como fazer uma maquete e alguém acidentalmente bater no seu projeto, isso permite olhar os elementos de uma forma inteiramente nova.

As coisas sempre saem erradas. É comum acontecer algo que você não planejou. Sigmund Freud sugeriu que não existe acidente. Será o acidente um sinal? Quando algo dá errado nós recuamos e queremos reavaliar. Mas será que não poderíamos inverter esse impulso? Aceitar positivamente a energia desse acontecimento inesperado? Ir a fundo e não esquivar-se. Mas se você é atrapalhado com suas ideias e emoções o seu primeiro ímpeto será fugir, desistir ou se fechar, esperando um "milagre" que nunca virá.  Não podemos controlar demais nem sermos caóticos demais! Esteja alerta, fique pronto para o inesperado, não se esconda, pare um pouco a lição de casa que algo criativo e acontecerá. E com toda certeza será adequadamente desconfortável!!

Fonte: "A Preparação do Diretor" de Anne Bogart



sábado, 3 de dezembro de 2016

Era uma vez um coração de menina em corpo de mulher


Geralmente quando durmo coloco as duas mãos sobre meu coração. Sinto! Escuto e até converso com ele. Penso em quanto desgaste já teve ao longo desses 40 anos, em todas as guerras que travei em nome dele, todos os trabalhos que fiz onde ele sempre falou mais alto, todos as perdas e dores que tive por preenchê-lo sempre acreditando que seria possível! Eu sempre acredito! 
Aproximando-se do Natal, me vem a imagem dele como um "chester" (debochada sim!), todo remendado, mas cheio, cheio de coisas boas! Cada costura uma história, cada fio transpassado um caminho que cruzei, um homem que amei, um texto que criei, um personagem que atuei, as filhas lindas e iluminadas que me presentei! Meu coração é jovem, cheio de vida e de muitas histórias para contar. (Graças a Deus!).  Minha filha diz que eu pareço uma adolescente às vezes, quando me empolgo com as coisas ou com as pessoas. Uma intensidade absurda! Mas as pessoas não entendem e nem gostam disso. (Sinceramente, problema delas, cansei de tentar explicar...)
Eu sempre verbalizo o que sinto, para quem acho que valha a pena! Procuro me fazer entender da forma mais clara possível, quando gosto e desgosto.  Não sou água morna! Não sou o que querem que eu seja, sou eu, sempre eu, autenticamente e loucamente eu! Acho que a vida é uma pluma para perdermos tempo com esperas prolongadas, com gente enrolada, gente que não trabalha seus traumas e dores, gente abusada, gente que brinca com sentimentos alheios achando que isso nunca vai voltar, gente que ama de forma egoísta, ou seja, tudo tem que ser como e quando ela quer...o outro?O outro que espere ou se dane! Ceder faz parte mas precisa haver equilíbrio...com o passar do tempo, analisando minhas relações sociais, familiares, profissionais e amorosas, percebi que durante muito tempo eu sempre cedi, sempre dei meu melhor mesmo quando o outro não tinha nada a me dar. Eu tinha (e tenho) tanto amor dentro de mim, que eu compartilhava em dose dupla, no início isso bastava, meu coração alertava e lá na frente ficamos eu e ele, batendo sofrido. Chorávamos sozinhos num travesseiro qualquer e eu questionava: O que eu fiz de errado? Por quê? De novo isso se repetindo?
Anos de histórias e muitas lágrimas depois, começo a entender a linguagem do meu coração, continuo amando muito , mas não deixo mais abusarem do meu amor. Me conectei comigo, e descobri que meu primeiro amor serei sempre eu, depois minhas filhas, meu teatro, minha vidinha louca e corrida que tanto amo... Aprendi a dizer não! E que delícia dizer "não" sem culpa! Aprendi que não posso esperar das pessoas o que não podem me dar, então sutilmente me afasto, deixo elas no tempo delas, com suas convicções e confusões, não compartilho mais amor com quem não se deixa amar. Não perco mais meu tempo!
E assim são os amores, os trabalhos e os amigos...só estão realmente perto de mim os que assim como eu, amam de verdade sem esperar nada em troca. Não abro mais as portas da alma para todos, verbalizo muito, mas minha essência é preservada. Aprendi a me proteger, a me cuidar melhor, a evitar noites sofridas por gente desnecessária. Respiro fundo, ainda estou longe de onde quero chegar mas já me movimentei muito de onde estava.
Quero presença, colo, carinho, palavras legais, (flores, não!). Quero gente que assim como eu se esforça para caramba para que as coisas aconteçam sem pensar só em dinheiro. Me emociono com coisas tão bobas às vezes, fico feliz com reconhecimentos simples, não quero capa de jornal, não quero cargo político, não quero fama! Quero alma, quero sentido para minha vida e minhas escolhas, sejam elas quais forem.
Não tenho medo de ser feliz, nem de me expor, mas já não o faço pra chamar atenção. Só para quem vale a pena. Me recolho quando ignorada, fico quieta quando criticada (se tiver argumento), repenso, recomeço quantas vezes forem necessárias, luto, esbravejo, passo horas em claro se digo que vou entregar tal material em tal hora, palavra para mim é lei!  E se der minha palavra, pode ter certeza que vou cumprir.
Portanto, se você não pode me dar sua verdade, ou se finge que é de verdade, nem se aproxime muito, porque eu não posso te ajudar e não quero ser cruel com meu coração. Se fizer isso de novo, ele me coloca de castigo. Estamos muito bem eu e ele, há muito tempo, temos nos recuperado bravamente de tudo que passamos juntos, e olha que não foi pouca coisa. Um dia te conto dando risadas e tomando um bom café, porque tudo acaba em Arte! Tudo vira palco! Tudo vira história para contar...
E se minhas histórias e minha forma de ser puder auxiliar pessoas que assim como eu, sentem as batidas do seu coração nesse mundo doente e ingrato, BINGO! Te quero comigo! Bem do meu lado! 
Porque escrevi isso? Achei um rascunho de um texto de 2014 que não acabei, a chuva de hoje me inspirou nesse texto simples, que não é desabafo nem recadinho para ninguém, até porque estou sozinha, tranquila e feliz (pasmem!!).
Mais café, beijos na boca e coração por favor...o resto a gente esquece um pouquinho!
O mundo tá chato, com muita gente chata falando de coisas chatas...falta autoconfiança! Falta coragem de assumir a delicia de ser o que se é!


domingo, 27 de novembro de 2016

Um História de Canela


Existem trabalhos que te procuram e não  você que vai atrás deles! Em julho de 2016 veio um convite de criar algo para o centenário do Grande Hotel Canela, hotel este que está há 100 anos sendo administrado pela mesma família (Os Corrêa!) com excelência em atendimento e hospitalidade. Pensando no que fazer, não via um palco com atores, mas sim aproveitar o cenário do próprio hotel, o antigo casarão e oferecer ao público uma experiência (teatro tem sido assim pra mim). A plateia reduzida tomaria um café da tarde com os personagens da história, Danton Corrêa e Anita Franzen Corrêa. Passou alguns meses e veio a confirmação de que iríamos realizar a proposta, não tão grande como pensávamos no projeto inicial, mas com a mesma veracidade e simplicidade do formato da ideia inicial.
Então veio o mergulho na história da cidade, da família Corrêa, do empreendedor João Corrêa que não é um mero busto na Praça da cidade, mas um homem que em menos de 20 anos trouxe progresso e construiu uma cidade do nada, em épocas que não existia eletricidade, telefone, e que a palavra selava contratos. Depois o estudo dos filhos e de outro jovem garboso e batalhador Danton Corrêa, sempre preocupado com a cidade, em ajudar pessoas e fazer o melhor e sua amada esposa Anita, que tocava violino e topou a loucura de não só casar mas tocar com seu amor o hotel dos Corrêa. 
Entrevistamos pessoas, conversamos, mexemos em arquivos, um mergulho na época, na família e no próprio hotel. Para mim um presente! Sempre verbalizei que acredito muito na minha cidade e no potencial que ela tem. Nas pessoas que por aqui passaram e ainda passam, marcando sua passagem com história.
Canela é lugar para sonhar, para turista morar, Canela é hortênsia! O centenário do hotel nos faz refletir um pouco sobre o nosso papel enquanto cidadãos conscientes e claro, a mim, enquanto artista... que Canela queremos deixar aos nosso filhos? Os Corrêa viram possibilidades, na verdade, um mato de possibilidades, pois foi assim que conheceram Canela. Incrível que homens de cabeça tão geniais e abertas, não tenham o devido valor que deveriam por tudo que fizeram na história da minha cidade. Me pergunto: Quantos sabem quem foi João Corrêa? Maria Luiza? Danton Corrêa? Borges de Medeiros? Será que só nas aulas de história basta "pincelar" os conteúdos? De novo não nos apropriamos do que é nosso! Um povo que não conhece suas raízes, não vai a lugar algum...
Parece que Canela está voltando ao embrião de suas origens: MATO! Um pouco jogada aqui, um pouco abandonada ali, um pouco comparada lá! E isso não vem de agora... Nos falta a visão dos que por aqui chegaram e fizeram deste lugar uma terra melhor para se viver e sonhar!
Estreamos dia 23 nosso espetáculo, onde a plateia é recepcionada por um ator e um violinista, conduzida ao antigo chalé de 1930 que hoje é museu (sabiam que tem museu no Grande Hotel? Pois é, tem!) onde Danton Corrêa surpreende a plateia com seu porte e sua forma simples de bem receber e depois, aos sons da sineta da Dona Anita (como era antigamente) são chamados para um delicioso café, na parte do casarão onde era a cozinha da família, onde o casal conta um pouco da vida que levam em 1938, no auge das festas e bailes no hotel, onde o verão era a temporada mais forte e o inverno praticamente o hotel nem abria. Café, bolos, o famoso pão de cinco grãos da Anita, o saboroso apfelstrudel do Castelinho (o melhor da região), e história.
Café, teatro e história!
Quer combinação melhor?
Quem ainda não assistiu pode se programar para os dias : 30/11, 03,07,10 e 14/12 às 18h30min. O ingresso para tudo isso é apenas R$ 45,00 e pode ser adquirido na recepção do hotel.
O mais interessante é que a cada apresentação aprendemos e nos emocionamos mais com a própria família (netos, bisnetos) que deram seus relatos emocionados, com os funcionários mais antigos do hotel que nos dão dicas de como eram os protagonistas da nossa história, dos amigos que vão assistir e choram logo no início porque conviveram com estas pessoas.
Tudo simples, mas rico em conteúdo!
No elenco: Gustavo Waz (Arthur), Emiliano Marzano (Danton com uma incrível semelhança física) e Paula Lovatto (Anita, igualzinha no porte e na expressividade) com a participação especial de Jardel (violinista). Texto e direção meus, com auxílio de muita gente!
Gratidão por esse trabalho ter me "procurado", acho que os trabalhos acabam tendo a "cara" de quem os faz, e não vejo este em outras mãos (sem pretensão!). Porque eu gosto de trabalhar dessa forma!
Convido a todos que prestigiem, vale a pena no meio dessa loucura natalina, tirar um tempinho e viajar com a gente!






















sábado, 24 de setembro de 2016

O amor que moveu Mariana em Cartas de Além Mar

“Cartas Portuguesas", autoria atribuída à freira Mariana Alcoforado (1640-1723) e destinadas ao Cavalheiro De Chamilly, oficial do exército francês, que serviu em terras lusas, são um dos mais ardentes escritos de que se tem notícia sobre a solidão e agonia amorosa, o retrato de um romance mal-aventurado que atravessou gerações.

Adaptado e interpretado por Lisiane Berti , “Cartas de Além Mar” nos remete a uma paixão devastadora, uma entrega sem exigências a um amor desesperado cheio de solidão e ansiedade, onde as dores da ausência vão se transformando em inúmeras cartas como uma forma de aliviar a dor.  Apenas uma mulher, vivendo distâncias absurdas de si mesma...
Mariana Alcoforado nasceu em Beja, Portugal, exatamente na Província do Baixo Alentejo, movimentado centro militar no tempo das Guerras de Restauração que Portugal empreendeu contra a Espanha(1640/1668).
Era filha de Francisco Alcoforado e Leonor Alcoforado. A data e o mês de nascimento de Mariana é desconhecido, sabe-se, entretanto, que o ano é o de 1640. Na época de seu nascimento a família já tinha quatro filhos: Baltazar, Miguel, Francisco e Anna Maria. A 22 de abril de 1640 Mariana é batizada na Igreja de Santa Maria da Feira, e teve como padrinho Dom Francisco da Gama, descendente de Vasco da Gama. Ao completar 11 anos de idade, Mariana foi levada para o Real Mosteiro de Nossa Senhora
da Conceição, na sua cidade natal. Após cinco anos de vida dedicados, integralmente, aos estudos, orações e leituras, principalmente, a leitura da Bíblia, Mariana declara, mesmo sem vocação, sua fé religiosa. Dada a sua forte inclinação para a escrita, Mariana recebeu
o importante cargo de escrivã das Quarenta Horas, registrando os fatos mais importantes
do Convento. Em 1664, chegaram a Portugal as tropas francesas que foram em auxílio de Portugal contra os espanhóis. O capitão da Cavalaria chamava-se Noel Bouton de Chamilly (Conde de Saint – Léger). Integravam o exército português os irmãos de Mariana, Baltazar e Miguel Alcoforado e ainda o seu cunhado Rodrigo Rui de Melo. Mariana e Chamilly, se conheceram por intermédio dos irmãos e cunhado dela, em uma das visitas que regularmente faziam ao Convento. A partir da apresentação dos dois, surge uma paixão avassaladora, que posteriormente se transformaria em sofrimento amoroso. O dilema sentimental de Mariana é resumido nas cinco Cartas Portuguesas.
Ciúme, mágoa, ódio, desespero e decepção são sentimentos citados nominalmente nas cartas de Mariana, isto denota que a religiosa estava apaixonada, já que o amor não produz esses tipos de sentimentos. Os trechos a seguir referendam essa afirmação “(Não há alívio para as minhas mágoas e a lembrança da aventura que gozei enche-me de desespero) ,(Mas antes de te empenhares numa grande paixão lembra-te do meu sofrer desmedido),(de todos os meus desordenados impulsos),,(dos meus anseios e ciúmes), (Mas eu tenho sido constantemente perseguida por uma enorme decepção, pelo ódio e pelo desgosto, por
todas as coisas), (Tenho essa espécie de ciúme de minha paixão por você)”. 
Foi um prazer conhecer o amor e vida de Mariana Alcoforado e poder apresentá-las em "Cartas de Além Mar" que estreiou em 2013 e continua em processo de descobertas...
Não assistiu ainda?
Neste domingo às 18h no Estúdio dos Bonecos (Rua Borges de Medeiros, 75) você pode conferir esse amor profundo e toda a dor da espera de Mariana.
Partindo do meu trabalho de pesquisa pessoal “O Ator e Sua Verdade” , onde o desconforto é um parceiro do ato criativo e  a interpretação distancia-se do “representar” e aproxima-se do “apresentar” transformando a verdade emocional e física do ator em concepção cênica, decidi arriscar-me, expor-me verdadeiramente, afinal quando se busca autenticidade não se pode esperar encontrar segurança e serenidade, você luta contra algo que está fora do seu alcance, se vê envolvido naquilo que ainda não domina. O desconforto é um mestre! A sensação de desconforto é um bom sinal porque significa que você está entrando em contato com o momento de maneira plena, aberto a novos sentimentos que esse momento vai gerar. Em “Cartas de Além Mar” , eu enquanto atriz, me confundo com Mariana Alcoforado, somos mulheres, já amamos intensamente alguém que está distante,  nos entregamos de corpo e alma a uma paixão avassaladora, nos desequilibramos e escrevemos muito, desde sempre, somos solidão presas em uma garrafa lançada ao mar. O nosso mundo é um equador de escritos. 
Sergio Azevedo Fotos



domingo, 21 de agosto de 2016

Tempo de contabilizar feridas e renascer


A vida e seus ciclos naturais. Ciclo da lua, ciclo menstrual, ciclo das estações, ciclo da vida. E tudo tem começo, meio e fim. E é no fim que nos recolhemos, onde ficamos em silêncio contabilizando e mexendo nas feridas, fazendo um balanço emocional do que somos, estamos e o que queremos. E isso geralmente dói. Perde-se a vontade ver gente, de sair, de fazer várias coisas. Costumo chamar esses momentos preciosos de "luto existencial". O luto de nós mesmos! Onde choramos as dores sofridas, bebemos e brindamos as más escolhas, quando nos olhamos no espelho e conhecemos nosso lado mais terrível e doentio! (Pasme, todos temos mas escondemos até onde podemos).
Esses nossos invernos emocionais nos fazem mergulhar e tomar um café com nosso lado "escuro", e apesar dos temores nos damos conta da nossa força e superação para enfrentarmos nossos  monstros.
Os mais próximos nos cobram presença, nem todos entendem nosso afastamento estratégico, a vontade de jogar tudo para o ar sem tem a menor preocupação de onde tudo vai cair. Fechar portas, encerrar contratos, dizer não pelo prazer do simples "porque não", parar, respirar, reavaliar o caminho, as escolhas, os atalhos da maldita preguiça...Não importa onde paramos, o importante é que estamos seguindo um caminho. 
Tenho esgotado minha paciência com gente enrolada, esnobe, fútil, sem "pé nem cabeça", gente que não se deixa emocionar, gente vazia, gente ranzinza, gente chata que complica tudo por simplesmente querer ser diferente. Gente que explode de felicidade em rede social e é decepcionante pessoalmente.  Eu não quero mais perder tempo, eu reajo aos meus ciclos, me reinvento, me reconstruo, me regenero, respeito, admito erros mas não tenho sangue de barata. Não mais! Eu não quero ter que agradar ninguém, não sou dessas, eu quero ser simplesmente eu, com toda a gama de loucura e meiguice, simplicidade e caos. Eu abro portas para as pessoas fazerem parte do meu contexto de vida, mas não convido duas vezes. 
Agregar! Fazer a diferença. Se não for para isso nem perca seu tempo comigo ou com qualquer outra pessoa. Uma taça de vinho já preenche muitos vazios do que uma noite de "conversa fora" com pessoas sem conteúdo. 
Vais começar um novo trabalho? Vais sair com alguém? Formar novas amizades? Vai fazer amor? Dê o seu melhor, senão nem saia de casa! O mundo precisa de gente com sangue quente nas veias, calor no coração e alma iluminada. Gente que não faz voltinhas para falar o que sente e do que gosta. E, sobretudo lembre-se de fazer ao outro o que gostaria que fizessem a você. Não existe controle, e você não tem controle nenhum sobre nada ou ninguém...ainda está aprendendo a ter sobre você...
Permita-se sair da zona de controle e experienciar primeiro o seu caos, depois o caos alheio. Eis a maior delícia de ser humano, eis a melhor forma de conhecer o outro. Porque te digo, se te aguentarem no teu caos, no teu inferno astral, no teu inverno emocional...meu bem, uma salva de palmas, porque essa pessoa realmente gosta de você como é e não pelo que representa.
Levanta, abre a cortina, tira o pó da janela, toma um banho, vai pra rua. Teu ciclo pode começar agora, depende unicamente de você! Vamos lá, "ser humano"?




domingo, 3 de julho de 2016

O preço alto de ser honesto

Honestidade não é uma característica, é uma escolha em que você decide ser ou não! Claro, depende de educação e de uma série de outros fatores, mas sobretudo somos nós que definimos como agir quando ninguém está olhando. 
Cá para nós, em tempos medíocres e insanos, está na moda ser "honesto", ser "caridoso", mas essa moda só funciona se tiver foto na coluna social do jornal, ou comentários calorosos nas redes sociais do quanto você é "honesto". Não é bem essa honestidade que me interessa. A forma como nos comportamos quando ninguém está realmente olhando é uma boa maneira de identificarmos até quanto somos honestos, como tratamos o garçom, a faxineira, o porteiro quando não é "documentado" ou "compartilhado".
Mas porque sermos honestos num contexto onde os desonestos e mentirosos ganham a mídia e nada acontece, e eles continuam nos postos mais altos e vão muito bem, "obrigado". Mas pior que eles, são as pessoas próximas, que abusam da nossa paciência, abusam da nossa honestidade e boa vontade e nos "puxam o tapete", uma, duas, três vezes...quantas forem necessárias.
Eu decidi há muitos anos atrás trabalhar com arte, dignamente e honestamente. Nesses anos procuro sempre ser coerente entre o agir e o fazer, não entrei em partidos políticos, mesmo ouvindo que nós artistas somos seres políticos sim e precisamos nos inteirar de tudo. Desculpem, mas não concordo, faço arte, não faço política artística e tem uma grande diferença. Essa escolha de anos por vezes me faz refletir tristemente sobre se foi mesmo certo. Ando sobrevivendo de arte e não vivendo. Quanto mais sou correta e íntegra, mas passo trabalho, mas corro, menos tempo tenho, anos sem férias, trabalho em finais de semana e tenho que colocar no final do mês a prioridade das contas em cheque.
Malabarismos a parte, ando cansada! Cansada desse jogo podre de interesses, onde um telefonema é dado e "fulano" de tal está no evento, onde um orçamento é alterado e alguém que nem trabalhou ou passou horas acordado criando como eu faço, ganha três vezes mais que eu. Pior, quando roubam a sua ideia (na maior cara dura), mudam o nome e recebem em cima das suas horas e dias de projetos.
É certo? Não, não é! E seria bem mais fácil me deixar corromper e entrar no "jogo do sistema", o joguinho podre onde alguém sempre tira vantagem de tudo e de todos em qualquer setor ou época.
Eu já tive muitas oportunidades de virar "oportunista", trabalhei com muita gente influente e ainda trabalho e sim, podia "abusar" disso , mas há algo dentro de mim que fala mais forte e não deixa. 

Lembro que quando era criança, fui num barzinho comprar coisas para minha mãe e a moça saiu e eu vi uma caixa com 5 chicletes em cima do balcão, peguei um escondido. Ela voltou e contou um por um dentro da caixa, fiquei roxa e disse que havia pego mas ia pagar. Nunca mais! Nunca mais! Lição aprendida!
Minha vó sempre dizia que não podemos roubar nenhum botão sequer, que sempre alguém pode estar nos testando sem a gente saber... Na adolescência, na frente de uma loja encontrei uma carteira cheia de dólares, não pensei duas vezes, entrei e deixei no caixa (estava sem grana, seria convencional pegar um pouco, mas não podia pois um leão dentro de mim sinalizava "é errado"). O tempo passou, o leão só cresceu e a honestidade é mais forte do que nunca.
E não, não vou entrar no jogo para satisfazer opinião alheia, atraso contas, trabalho 24 horas se for preciso, mas não me rendo, minha arte é utópica, tem alicerce, tem consistência, eu sei o que consigo através dela. Uma ferramenta poderosa para quem sabe utilizá-la com o gatilho apontado para o bem.
Sigo assim, minha consciência é tranquila (diferente de muitos que conheço, inclusive os que agiram de má fé comigo). Liberdade...
Liberdade de ir, vir, explanar opiniões, liberdade para ouvir ou não, liberdade para dizer NÃO, como é bom dizer não sem precisar dar tapinhas nas costas. Provavelmente meus projetos demorem bem mais para serem aprovados (não conheço nenhuma "laranja"), meu círculo de amigos é bem mais reduzido, (não faço jantares com segundas intenções), tento primar pela qualidade sim, erro, erro muito na tentativa de acerto, mas sou humilde em reconhecer. Meu ego não me ultrapassa!
Verdade que às vezes me pego em momentos ruins, dizendo "não aguento mais", mas tenho fé! E acredito de verdade que tanto trabalho e dedicação por trilhar um caminho honesto tem sim um resultado positivo! O meu chega junto com abraço de aluno, com pessoas que dizem "sou fã do teu trabalho", com alunos que me escrevem na madrugada me dizendo o quanto fiz diferença na vida deles...Isso me basta!
Sou simples! Honestidade é simples! Basta você escolher...e por falar em escolhas, o que você tem escolhido ultimamente?

domingo, 26 de junho de 2016

NOVA TEMPORADA DO AUTO DA BARCA DO INFERNO



NOVA TEMPORADA “O AUTO DA BARCA DO INFERNO”
        Após a estreia e temporada de Natal em dezembro de 2015 no Grande Hotel Canela, o grupo “ A Barca” (formado pelos alunos do Curso de Teatro Grandes Autores, turma de 2015 da professora Lisiane Berti), retorna com a peça O Auto da Barca do Inferno, clássico da literatura e do teatro de Gil Vicente, desta vez em novo espaço em Canela, junto a D’arte Espaço Multicultural no mês de julho nos dias 06,13,20 e 21 de julho à 00h)

1      O Auto da Barca do Inferno
Para se compreender o "Auto da Barca do Inferno" deve-se ter em mente que essa obra foi escrita em um período da história que corresponde à transição da Idade média para a Idade Moderna. Seu autor, Gil Vicente, se enquadra justamente nesse momento de transição, ou seja, está está ligado tanto ao medievalismo quanto ao humanismo. Esse conflito faz com que Gil Vicente pense em Deus e ao mesmo tempo exalte o homem livre. O reflexo desse conflito interior é visto claramente em sua obra, pois ao mesmo tempo em que critica, de forma impiedosa, toda a sociedade de seu tempo, adotando assim uma postura moderna, ainda tem o pensamento voltado para Deus, característica típica do mundo medieval.
Escrito em 1517, o clássico da literatura retrata a sociedade portuguesa do século XVI ao mesmo tempo que possui temas atuais, com uma boa sátira à sociedade.

2   Sinopse:
O cenário desta obra é um porto onde se encontram duas barcas, uma leva ao inferno e a outra ao paraíso, uma guiada por um diabo e a outra por um anjo, ambos os comandantes aguardam os mortos, que são as almas que seguirão ao paraíso ou ao inferno. Uma sátira impiedosa de Gil Vicente, onde suas críticas não poupam ninguém - fidalgos, padres magistrados, mas também sapateiros e ladrões.Cada personagem traz, nas roupas ou nas mãos, os símbolos de seus pecados e deles não podem se desfazer; não há defesa contra as acusações do Diabo ou do Anjo.

      Ficha Técnica:

Texto: Gil Vicente (adaptação )
Direção: Lisiane Berti
Cenário: Lisiane Berti
Sonoplastia: Erick Bolt e Luan Klauss
Preparação Corporal: Luana Serrão
Figurinos: Lu Benetti e Maurício Goulart
Maquiagem: Maurício Goulart
Máscaras: Kira Luá
Iluminação: System Produções Técnicas
Produção: Giovane Nunes, Isabel Scheid, Rosane Warken e Edel Ramos
Programação Visual: Charle Oliveira
Elenco:
Anjo – Taíne Dufau
Demônio – Rita Reis
Fidalgo – Odarlan Mapelli
Onzeneiro – Rosane Warken
Sapateiro – Eduardo Rohden
Parvo – Luana Serrão
Frade – João Marcelo Trovão
Brísida Vaz – Edel Ramos
Judeu – Erick Bolt
Corregedora – Silvana Grade
Enforcada – Núbia Gallas
Cavaleiro – Giovane Nunes
Demônios – Amallia Brandolff e Giu Chiodi
Anjo – Giulia Sironi
Barqueiro – Marcelo Wasem

 I  Ingressos:
     R$ 30,00 (Aroma Literário, Empório Canela e no local)
     Você pode escolher sentar no céu ou no inferno (há somente 150 lugares)
     Mais informações e reservas de ingressos: (54) 8104.4404

Datas das apresentações:

Dias 6,13, 20 e 21 de julho no Espaço D’arte Multicultural em Canela




domingo, 19 de junho de 2016

Da dualidade de Yerma a interpretação visceral da Rita Reis

Rita Reis em Yerma

Eu não sou crítica de teatro, tampouco tenho a pretensão de ser e antes de escrever pedi a atriz e ao diretor do Grupo Sátiras (Jonatas Brasil) se podia escrever. Eles me autorizaram! Recentemente fui assistir Yerma do Lorca no Estúdio de Bonecos em Canela com a atuação de Rita Reis e a direção do Jonatas.
Federico Garcia Lorca (1898 - 1936), poeta e dramaturgo, é o escritor espanhol mais famoso do século XX, talvez o seu melhor artista. Foi assassinado durante os primeiros dias da guerra Civil Espanhola, jogado em uma vala comum, e de vítima se transformou em mártir, depois de tantos anos após o crime, seu prestígio e sua obra são universais. Conheço toda a obra dele, mas Yerma sempre foi um dos meus textos preferidos. 
Yerma é uma obra literária, uma tragédia situada em uma  época onde a família era o mais importante em uma  sociedade conservadora e onde o homem só era homem se mantivesse sua família com trabalho e onde a mulher tinha que cuidar da casa, os afazeres domésticos e o mais importante, cuidava dos filhos.  A palavra "yerma" significa infértil, estéril, e a obra do dramaturgo gira em torno desta mulher, Yerma que sonha em ter um filho e não consegue. Sofrimento, desespero, passa-se o tempo e Yerma dá-se conta que quem não pode ter filho é seu marido Juan e acaba o estrangulando, estrangulando também a única possibilidade ter seu tão sonhado filho.
Porque dualidade? Porque ela viveu entre o coração e a honra, lutou frente aos seus sentimentos e diferente de uma Norma da Casa de Bonecas de Ibsen que larga tudo e começa uma nova vida, Yerma reluta e sucumbe ao desejo de ter o filho do seu marido, custe o que custar. Jamais ela trairia Juan, jamais ela desapontaria sua família ou ficaria mal falada...
Então assisto Yerma encenada pela visceral Rita, e não vi a Rita. Vi uma Yerma sofrida, forte, apaixonada pela ideia de ser mãe a atormentada...A vivência da Rita deu força a Yerma. Uma belíssima interpretação de uma menina que se entrega de corpo e alma ao que faz como poucas. 
Não assistiu ainda? Então vai, aproveita, vale a pena! A direção do Jonatas é bastante limpa, cheia de detalhes, num cenário simples e funcional. A trilha sonora é dos poemas do próprio Lorca e você tem de prestar bem atenção ao espanhol...sofrido...doloroso.
E como Yerma diz: "Eu sou um campo seco, onde cabem mil bois..." 
Detalhes aos pés descalços, pois o contato com a terra era um sinal de fertilidade.
Parabéns Grupo Sátiras pela coragem e ousadia de montar Lorca. E sabe porque ele é clássico? Porque os clássicos são muito simples e falam das coisas simples da vida que ninguém tem coragem de falar...
Evoé!!

Sergio Azevedo Fotos


quinta-feira, 9 de junho de 2016

Sobre dias cinzas e o ensinamento que eles me trazem

Depois de dias ininterruptos totalmente cinzas, preparo meu chá (estou dando um tempo do café) e com os dedos gelados de frio, penso, respiro e começo a escrever. Esta semana mal tive tempo para respirar...
Dias cinzas são dias de mistura de preto e branco, dias em que não sabemos muito bem se vamos ou ficamos, dias que por si só não nos inspiram muito. Em um dia assim, saí correndo de carro para chegar no velório de uma das pessoas mais especiais para mim, minha tia, minha madrinha, minha amiga, minha conselheira...mal sabia eu que ao chegar teria de voltar pois minha filha passava mal na escola. Haja folêgo!Entrei, abracei minha prima sem dizer uma palavra, cumprimentei tios, olhei minha tia naquele caixão e logo desviei, era inacreditável demais para mim. Voltei! Dirigia rápido, ouvia música em meio uma e outra algumas lágrimas insistiam em correr...não dava para chorar agora. Força! Pego minha filha menor, 39,5 de febre, do nada e é claro que ela sentiu...ela sempre sente. Os dias cinzas se arrastaram, vários acontecimentos ligados a doenças, perdas, decepções e tudo ou quase tudo de ruim que podia chegar, chegou!
Houveram pessoas que falaram comigo que nem lembro o que disseram, eu concordava com a cabeça, mas não ouvia. Só lembro de estar totalmente presente em algumas poucas aulas de teatro e artes que dei. O resto foi cancelado! Seria bom cancelar os dias cinzas também, mas eles não se deixam dominar assim, São eles que dominam, nosso ar melancolicamente.
Noites mal dormidas, cansaço, garganta fechada, frio, mal humor...o cenário de um desastre ambiental.
Mas descobri que lido melhor com a dor do que com o amor, com o tempo a gente vai criando uma certa paridade com a forma de lidar com catástrofes, então me abalo pouco, logo me recupero. Penso sempre "ah mas isso não vai ficar assim", uma espécie de auto vingança benéfica, luto contra mim. Penso em como vou estar amanhã e trabalho para isso tornar-se real. Não me maltrato mais, a maturidade me trouxe discernimento para entender que eu sou a única responsável por tudo que me acontece. De bom e ruim. Essa semana uma parte de mim queria um abraço forte e apertado e outra parte pedia para não ser abraçada para não desmoronar na frente de pessoas que não entenderiam ou não tem nada a ver com a história. Não gosto de receber abraços só por receber, sabe aqueles abraços padronizados dados só por dar, assim como os "meus pêsames", ou "meus sentimentos" de pessoas que você nem conhece e que te estendem a mão. Sim, eu sei, são rituais. Rituais de passagem. Rituais tolos criados por nós, seres humanos. Me escondi dentro de mim e da minha dor, até que estivesse bem para sair e retornar a vida normal. Os dias cinzas começam a dar trégua, a vida não espera meu bem, ou você vai ou você é atropelado por ela. Gente lenta não tem vez. 
Eu gosto de dias cinzas e da melancolia e tristeza que eles me trazem...fui obrigada essa semana a parar...parar e ficar em casa forçosamente. E me dei conta de que há muito tempo não tirava tempo pra mim. Sempre tenho tempo para os outros e me deixo de lado. "Eu", sempre posso esperar para amanhã...
Escrevo feliz agora...escrever sempre me faz bem...sei que um ciclo bem complicado terminou essa semana e que era preciso. Era assim mesmo que devia ser. Está tudo certo. Foi doloroso, solitário...mas foi honesto!  
O cinza é neutro, é o meio termo do branco e preto e nem sempre conseguimos ser só "brancos" ou só "pretos", precisamos misturar nossas emoções e ficarmos cinzas e viver o luto interno e externo, também faz parte de nós...
O sol brilha lá fora. Quebrei o padrão, ensaiei e decidi tirar um tempo para mim... escrever foi uma das coisas...
Não vou mais perder tempo com coisas, seres e pessoas que não me acrescentam, se puder escolher, escolho autenticidade. Uma das características que sei, minha madrinha, se orgulhava de mim...

Saudades...

domingo, 8 de maio de 2016

Ser mãe é aceitar que você enlouqueceu...de amor!!

Ser mãe é para as loucas! Sempre pensei assim, e sempre disse durante muitos anos que nunca ia ser mãe. Brincava que ia ser freira (meu pai faz piada disso até hoje). Bom, aconteceu que conheci o pai da minha primeira filha e veio a Ísis. Eu tinha 25 anos e decidimos juntos que íamos ser pais...Alegria e desespero! Desafios! Eu não sabia nada de nada... não me via mãe, mas ela estava ali, crescendo dentro de mim...Gestação tranquila, parto tranquilo, bebê tranquila. (libriana!) A Ísis é tranquila até hoje! Ela veio equilibrar...energias, pensamentos e emoções. Começava o aprendizado... os surtos, as noites que qualquer som te acorda. O medo de quando se engasgava com leite, o desespero quando eu dormia e acordava louca na madrugada pensando (cadê meu bebê?) e ela estava ali, dormindo... Achei que tivesse aprendido tudo! E pensei, deu! Uma filha é de bom tamanho. Porque o aprendizado de ser mãe é constante, é para todo o sempre! Treze anos depois, a vida muda, o tempo, as pessoas e então veio Helena. Eita, outro aprendizado, agora com 38 anos vividos. Gestação tranquila, parto tranquila, porém Helena não é como a Ísis tranquila, é doida. Doida saudável, agitada e com personalidade forte. Novos aprendizados...
O que ninguém fala de ser mãe, o que não vemos nas redes sociais ou nas conversas entre amigas é que ser mãe é muito  difícil, porque cada ser é único! O que ninguém fala é que chegamos ao nosso limite do cansaço, do estresse, para fazer e dar o melhor pelos nossos filhos. A frase "mãe é mãe" devia ganhar uma página no livro dos recordes, porque tem coisas "papais" que vocês nunca vão entender ou fazer, e não por falta de vontade, porque nossos filhos foram gerados em nosso ventre, nossa ligação é diferente do que a que eles tem com vocês. É verdade que às vezes temos vontade de sair correndo e sumir, ou nos enfiarmos embaixo da mesa e gritarmos um "me esqueçam!". Mas ser mãe não é para qualquer pai, ser mãe é para quem tem coragem, força, persistência. Ser mãe é instinto! Abrir mão de tudo para proteger os seus, hoje e sempre! Ser mãe é saber que mesmo longe você está perto, é ter para onde correr, é ter para onde pedir ajuda e conselho, é ter para onde afogar-se num abraço ou desafogar-se!
Ser mãe é criar seus filhos para o mundo com todo o amor que houver nessa vida, sabendo que eles tem o livre arbítrio e podem nem reconhecer seu esforço, e está tudo certo, porque ser mãe é só ser e não "ter"e sempre entender.
Ser mãe é missão! E é preciso ter talento para ser mãe, porque muitas mulheres tem filhos, mas não são mães de verdade, outras não podem gerar filhos e são mães exemplares...uma complexidade umbilical que nem Freud explicaria.
Não "papais", não fiquem chateados, não estou falando mal de vocês, nossos filhos só existem graças ao amor que nos uniu e sim, vocês também tem papel fundamental em todo o processo e nunca, jamais por mais que tentássemos, seríamos "pais", porque somos mães e não nos cabe assumir o posto de vocês. O feminino e o masculino precisam se unificar para formar o sagrado! 
Creio que hoje, apesar de tudo e de tantas lições duras, tenho me esforçado bem e posso dizer de cabeça erguida, sim sou uma ótima mãe! Ainda há muito a aprender, porque nunca estamos aptos e prontas definitivamente, mas ser mãe desperta "ferramentas" em nós, mulheres, que nem sabíamos que possuímos e meus amigos, adquirimos uma força, interna e externa que é de dar medo em qualquer um que se atreva a tocar ou fazer mal a nossos "babys".
Minha homenagem hoje a todas as mães da terra ou do céu, do passado ou do futuro, de diversas crenças e religiões, das "antigas" ou "moderninhas", e meu sincero respeito aquelas que entendem o valor e significado da palavra "MÃE".
Lisiane Berti, 08 de maio de 2016 às 11h17 , filha mais velha na internet, filha mais nova tirando uma soneca, aproveitamos a pausa para escrever...




domingo, 20 de março de 2016

Sobre ser mãe de novo...


Há exatamente um ano atrás, eu estava hospitalizada! Calma, era por um bom motivo, cesária marcada para a chegada de Helena. Desde do dia que soube estar grávida eu sabia que devia focar em tudo sair bem e ser forte. Trabalhei até a meia noite do dia que antecedeu a chegada dela com teatro, uma semana depois já estava de volta trabalhando. Não, não queria provar nada a ninguém , só estava bem demais para ficar em casa, sem fazer nada.
Sentada com minha madrinha que me acompanha sempre em momentos cruciais, no corredor do hospital, ouvia os gritos de uma mãe em trabalho de parto. Algo meio perturbador para se ouvir tão cedo. Logo me chamaram para colocar o soro, fiquei num quarto com mais cinco mamães, elas tinham dor por causa da cesária, uma o marido tinha que ajudar a sentar e ela se contorcia de dor. Outra chorava porque tinha passado a anestesia e doía sua cabeça. Uma cena de filme de terror para alguns, eu observava e buscava ficar tranquila. Aquilo não era novidade, há 13 anos atrás eu já tinha passado por tudo aquilo e tinha me saído muito bem, obrigada! Desta vez não seria diferente!
A moça do parto normal, aquela que gritava, atrasou a minha cesária que acabou sendo feita, passava do meio dia. Sim, fiquei a manhã inteira no hospital sentada em uma cama, esperando, logo eu, que tenho pavor de esperar.
Tão logo fui chamada, anestesiada, chegou meu médico. Conhecido da outra cesária, sim, o mesmo...conversamos sobre teatro, tudo foi muito rápido e logo Helena estava em meus braços, miúda, sujinha e chorona. Fomos encaminhadas a uma sala para "descansar". Ela nos meus braços mamando e eu bem longe de descansar, minha cabeça a mil, olhava cada canto do quarto, tinha um homem ao meu lado que também descansava. Pensava em cenas de filme de terror, se ele fosse um psicopata, se levantasse...mas nada ocorreu. Passado algum tempo fomos para o quarto, dividimos ele com outras mamães e seus barulhentos bebês. Todas as mamães com seus supostos maridos, alguns jovens demais, inexperientes e um, apenas um, extremamente carinhoso e feliz. Os homens definitivamente não foram feitos para a "maternidade". O pai da Helena, por escolha minha, não estava comigo, estava e continua em outro país. Falávamos todo dia, mas sempre soube que na hora "H" seria tudo comigo, foi assim da outra vez e olha que o pai da Ísis é bem presente.
Na mesma noite já fui sozinha ao banheiro, algumas mulheres ficaram apavoradas de como eu não sentia dor e já andava sozinha. Pensava "foco queridas","a mente comanda o corpo". Uma noite sem dormir, duas...e assim foi...e é...Helena jamais me atrapalhou em nada, não parei com a  vida, ela se adaptou a minha.
Uma criança saudável, iluminada, sorridente e tranquila. Esperta! Vivemos bem, seguimos e hoje ela completa um ano...um ano em que muito aconteceu na vidinha dela e na minha...
Mudanças, provações, descobertas, e como na música do Lulu Santos "A gente vive junto, a gente se dá bem, não desejamos mal, a quase ninguém...a gente vai a luta e conhece a dor..."
Dor, luta são palavras chaves da nossa história (minha e de Helena) porém também recheadas de muito sucesso, alegria, perseverança, amor e saúde.
Helena trouxe o melhor de mim, um melhor que há 13 anos atrás,  a Ìsis, com sua chegada, já havia começado. Sigo, eu, meu teatro, minhas meninas...seguimos muito bem, diga-se de passagem...
O pai da Helena? Todo dia quer saber dela, sem dúvida a ama muito e tenho certeza, se pudesse e eu quisesse estaria conosco. Mas a vida sempre sabe o que faz, e como faz. A última vez que estive no Peru, (sim Helena é 50% brasileira, 50% peruana) sonhei com um bebê no meu colo que me perguntava "está pronta para mim agora?" e eu respondia "agora estou". Era ela, que já estava pronta há muito tempo...
E hoje comemoramos seu um aninho entre família, amigos e dindos...Festa com tema de borboletas para lembrar que a vida precisa passar por longas e silenciosas metamorfoses, festa com teatro de bonecos (Cia Goliardos) para lembrar que ela sempre permeia nosso caminho...
Vida a vida, vida o amor, viva a minha linda Helena!!




quarta-feira, 9 de março de 2016

Eu gosto de ser mulher, mas...




Passado o "dia internacional da mulher" fiz algumas reflexões acerca da data e meu momento como mulher.
Eu gosto, gosto mesmo de ser mulher, mas estou cansada temporariamente de "ser" mulher. Cansada da liberdade adquirida cheia de cobranças, cansada das piadas machistas, cansada da violência seja ela inclusive verbal, cansada de carregar nas costas um fardo histórico que não é meu. Queria poder ser apenas mulher, simplesmente mulher... mas anda difícil, sobretudo na nossa sociedade que vive a era do excesso de informação e compartilha opinião de tudo sobre tudo, sem ao menos verificar o conteúdo. Apavorante! Meu cérebro com neurônios polivalentes não aguenta tanta agressão verborrágica.
Cleópatras, Carlotas Joaquina, Joanas D Arc, Maries Curies, Anas Bolena, Virgínias Wolff, Carmens Miranda, Anitas Garibaldi, Irmãs Dulce, Madres Tereza de Calcutá, Marilyns Monroe, Ediths Piaf, minha mãe, minhas avós, minhas colegas e tantas outras mulheres que admiro.
Não gosto do termo "guerreira", me sinto na pré-história com uma lança pronta a atacar com unhas e dentes o primeiro que atravessar meu caminho, também não gosto de flores, essa simbologia me desgasta. Mulher não é enigmática, não é difícil, não é complexa, mulher é em primeiro lugar uma fêmea e como tal, cheia de carinho, desejos e fome. Fome de amor, de vida, de abrigo, de apoio, de afeto, fome de silêncio. Gostamos de partilhar dele, mas não nos compreendem.
Realizamos diversas funções em questão de minutos, porque somos práticas e aprendemos, com aquela "tal independência" a nos virar desde sempre e tomar decisões rápidas em momentos difíceis. Sabemos lidar com a dor, com o desespero e com o abandono melhor que os "machos" e eles sabem disso, mesmo os hipócritas discursivos. 
Dar a luz, amamentar, engordar são apenas detalhes, quando você engole as lágrimas e sabe que precisa ser forte, quando já não sabe mais de onde tirar força. Quando olha-se no espelho e vê que seu corpo mudou, passou por transformações que você não teve como evitar, quando seus olhos às vezes inexpressivos possuem tanta história, quando cada ruga foi uma virada de página que o destino fez você alçar... Ser mulher é para quem escolhe vir ao mundo assim, de forma evoluída, é quem sabe que desde pequena vai enfrentar enormes desafios, é quem sabe que terá muitas vezes de engolir o grito e forçar um sorriso porque sabe dosar sua raiva.
Então homens, não me venham com florzinhas, abracinhos, lembrancinhas...honestamente não precisamos disso (aqui falo só por mim, porque há as mulheres que gostam e respeito!)precisamos que vocês sejam HOMENS, que assumam a sua parte, que assumam a responsabilidade pelas suas vidas, que assumam a essência de vocês e aprendam a compartilhar, a ajudar, a apoiar, a abraçar e calar a boca, a fazer amor sem pensar somente no bel prazer de vocês, que beijem mais na boca e encham nossa boca de amor e saliva, de desejo e ternura, que nos tomem nos braços não quando perdirmos, mas que nos surpreendam, que não discutam quando estivermos descontroladas, vai passar e vamos nos desculpar quando exagerarmos e sobretudo, quando formos mãe, levantem de madrugada com a gente, ajudem a organizar a casa, troquem fraldas, fiquem com o bebê para tomarmos um banho demoradamente, nos convidem para sair quando estiver horrorosas (vai nos incentivar a melhorar) e por favor, parem de nos cobrar! Parem de nos pedir para carregar o mundo nas costas, cresçam conosco, mutuamente!Ou carreguem o mundo ao nosso lado, vai ficar mais fácil com vocês, somos seres humanos, lembram?
Não precisamos de um dia só para nós, precisamos que nos respeitem todos os dias!
Eu gosto de ser mulher, mas... talvez ser homem torne algumas coisas mais fáceis às vezes. Mesmo assim, se ainda puder escolher, quero voltar quantas vezes for preciso como mulher (preferencialmente negra e cantora ok???)
Por hora, seguimos...como MULHER!
Lisiane Berti, 39 anos exercendo seu papel bravamente como mulher, mãe da Ísis e da Helena, atriz, diretora, dona de casa, dramaturga, professora, preparadora de elenco, motivadora empresarial, cozinheira casual, escorpiana, verdadeira, amiga, ativista cultural, adoradora de máscaras, polivalente, simples, louca e sempre de fé e com fé.