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quarta-feira, 17 de julho de 2019

Sobre cair na isca do anzol da vida



Huanchaco! Quarta vez que passo por lá em sete idas ao Peru de 2010 até aqui. Já voltei do Peru encantada, muito apaixonada, muito triste, muito irritada, mas desta vez voltei em plenitude. Nossa viagem de 14 dias foi inscrível. Muitas coisas aconteceram boas e ruins. As ruins tiramos de letra e aprendemos juntos, choramos juntos e rezamos juntos. As boas nos fortaleceram. Algumas não é possível contar, porque palavras não seriam suficiente para descrever, então guarda-se na memória, outras talvez eu consiga descrever um pouco. Acredito que eu tenha conseguido finalmente "morder a isca" da vida. Explico. Vivi muito sobre limitação do que era passível e fazia sentido. Houve tempos que vivi para mim, somente para o trabalho, para outras pessoas que amei achando que me doar a elas era amor. Houve momentos que gritei soluçando que não queria mais ser eu! O que sempre me salvou foi a escrita e o teatro.
Talvez quem estiver lendo pense: "o que me interessa tua viagem para o Peru?" Nada, bem provável. Mas você pode optar parar de ler e fechar a página. Houveram coisas na minha vida que não tive opções, apenas enfrentamentos. O pior deles, foi tentar me enfrentar todos os dias durante muito tempo. Eu fingia que era feliz, eu fingia que gostava, eu fingia que tudo estava bem, eu fingia e cá para nós, com teatro eu realmente fingia muito bem. Houve tempos  que até eu me deixei enganar por mim, até encarnei frases prontas e feitas. Mas precisei me interpretar profundamente. Me formular de novo. Então acordei no meio dos meus próprios gritos, nos meus fracassos. Me vi sozinha. Eu, as tábuas do palco e a vida me rolando de um lado para o outro. Achei que podia improvisar, mas já não havia mais tempo.
O anzol da vida me fisgou primeiro de uma forma dolorosa, e se o peixe morre pela boca, eu já sentia o sangue grosso escorrendo e pingando da minha. Resisti. Não ia sair assim do meu mar de ideias sem luta. Eu sempre luto até o fim. Me desvencilhei desta primeira armada e me deixei levar para o fundo mar. Lá eu podia chorar, ri, pensar. Mergulhar nas minhas dores que também tinham intensas alegrias. Eu estava quase me apagando, quando decidi sair e respirar mais uma vez. Sem cardume. Um peixe solo no mar teatro. Um peixe vivo no mar morto. Só um peixe em espécie. Nem raro era. Nada extinto.
Voltei. Cicatrizei. Mexi as nadadeiras e fui atrás de novos mares. Aquele já era fatal para mim. Mera suposição. Verdade ou verdades? Pressentimentos. Sinto que sei verdades mas é melhor deixá-las escondidas em mim. Huanchaco foi o meu mar de retorno. A volta do recomeço. Um novo olhar sobre o mesmo lugar, as mesmas ondas, as mesmas paisagens, mas eu...eu não sou mais a mesma. Desta vez a isca da vida me fisgou diferente, sem dor. Eu fui de encontro ao anzol para me libertar de velhos padrões. Me desencontrando, me choquei comigo. Me olhei de cima abaixo satisfeita com as marcas do tempo, com as escolhas, as renúncias, a liberdade que sempre tive de reiniciar. Pensamentos me atravessam e nem ousariam descrevê-los agora. Preciso guardar alguns segredos de mim. O meu nada me deu tudo! 
Ganhei presentes, abraços, cartas, carinho, beijos, elogios, carinho, afeto, gentileza. Por onde passei fiz questão de ser gentil e educada. Sei que não posso mudar o mundo, mas se eu estiver bem os mais próximos também e será mais difícil ser afetada por aquilo que não me pertence.  Eu não tenho mais medo de quase nada. Não tenho medo do fracasso! Me sinto bem! Feliz! Indescritivelmente afetada pelo rumo da minha vida. Está comigo quem devia estar, assim como os que não estão, já cumpriram sua missão. Estive só. Só de mim. Agora estou completa. Transbordando de mim! Não entendeu? Não é para entender, é para sentir. 
Não escrevo para agradar ninguém. Escrevo como exercício libertador e sanador. Apenas isso! Nas minhas obras e peças, procuro exacerbar verdades minhas, ou não, que emocione. Que as pessoas vejam um pouco de si naquilo que faço. Eis a poética e mágica da escrita e do teatro. Identidade!
O dia que parar com isso morro. Talvez morrer não seja lá tão interessante, mas deve ter seu valor, afinal todos entram aqui sabendo disso e vivem como se não soubessem. Estúpida humanidade! Atualizados do seu destino imperfeito.
Ciranda, cirandinha, vamos todos cirandar, vamos dar a meia volta, volta e meia vamos dar. O anel que tu me destes era vidro e se quebrou. O amor que tu me tinhas era pouco e se acabou.
A vida é ciclo. É giro rápido. Pouco que acaba. Se der tempo, dá a meia volta, refaz, tenta, investe em ti, no teu tempo, nos teus sonhos. Ciranda! Estende a mão, mas recolhe quando achar que já não é mais útil e amado. Seja o que veio ser. Seja dono e senhor das tuas emoções. Seja grande, mas não atropele os outros. Seja um grão de areia no mar de Huanchaco ou de qualquer mar do teu mundo. Mas seja carinhoso com o teu mundo. O teu mar interno. Não se afogue nas ondas dos teus pensamentos mórbidos. Abra a boca, feche os olhos e respire com emoção. Vais sentir a brisa leve da vida de encontro a ti...
Eu, você, teu vizinho, o guarda do trânsito, o ex, a profe, a velhinha do banco, a pessoa que passou agora no táxi...MERECEMOS SER  FELIZES!
Ame-se e pessoas amadas te encontrarão e abrirão os braços contigo para as belezas simples da vida.
Permita-se!