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domingo, 21 de junho de 2020

Quando a vida da gente craquela...



Craquelado é um termo bem conhecido para quem trabalha com pintura, esmalte, gesso, argila ou maquiagem. Geralmente é quando se tem fendas, rachaduras ou trincado na obra. Ontem essa palavra veio forte na minha cabeça, tive um dia incrível, ou melhor, uma semana artisticamente produtiva, diferenciada, cheia de desafios e totalmente online. Encontrei ontem meu "eu particular" quando fui tirar fotos com um aluno e rimos muito porque eu não parava quieta e fazia piadas com caretas (jamais podia ser modelo fotográfica). Meu íntimo particular é divertido, brincalhão, desbocado mesmo, sensível. Eu penso demais, tem um amigo que me diz que não queria ser um neurônio meu porque coitados, estou sempre deixando eles na potência master, e quando não coloco gás com neuras desnecessárias. Meu mundo é mesmo o das ideias! Quanto eu tenho meus surtos criativos, me empolgo e quero dividir com o mundo as alegrias e descobertas. Mas aí entra o "craquelar". O mundo não está interessado nas minhas ideias, ou geralmente se interessa no início, depois percebo a revirada no olhar, o "ãrrrã" e aí vou finalizando e trocando de assunto. Silencio, dom que tenho exercitado ultimamente.
Enquanto o mundo morre ou mata por política e vírus, eu sempre digo "bendita pandemia", tem acontecido cada coisa incrível comigo, sobretudo no meu universo particular. Percebi o quanto sou idiota. Idiota ao cubo! (isso é bom gente, sério!) Me preocupo sofridamente com coisas que não precisava e dou um jeito naquilo que as pessoas acham impossíveis. A rainha das estratégias e do plano B,C,D...
Craquelo. Craquelo e craquelo. Fico com aquela sensação de contraste, de algo que foi aplicado em uma superfície e não foi bem "espalhado". Aí sempre me questiono "mas o que estou fazendo aqui?". "Para que?". Sinto que atropelo as pessoas com a minha arte e jeito de ser, falo demais, penso demais, sinto demais, quero tudo no nível master. Aceleradamente mas... meu amigo me diz "Lisi cada um tem seu tempo, e tu precisa respeitar o tempo das pessoas." Verdade! Eu tento, juro que tento mas e quando as pessoas não respeitam o meu tempo?A minha presença? A minha vontade? Não quero que façam minhas vontades, quero apenas que respeitem ou sejam honestos e me digam a verdade.
Uma das coisas que aprendi desde cedo com teatro é "como sair de cena". Posso ficar em cena e a luz apagar de fininho, posso "congelar" e a cortina fechar, ou posso acabar minha fala e sair de cena mesmo indo para a coxia. Minha filha mais velha diz que tenho alma adolescente, e sim, sinto que tenho, meu espírito é muito jovem num corpo que está envelhecendo (não tenho nenhum problema com isso mesmo). Os "gatilhos"para um trabalho de autoanálise tem vindo aos bombardeios com essa quarentena. Sinto que cada dia preciso aprender algo, sobretudo com quem me irrita (aqui pessoas da família mesmo).  Equilíbrio emocional, haja! Nas redes vejo indiretas idiotas de uns para outros (já fiz muito isso), brigas e argumentações errôneas sobre política,  futilidades, desfiles de vaidades absurdas e muita, mas muita falta de interpretação, da vida eu diria, porque de texto já foi faz tempo. Ando cansada da humanidade, como muitos. 
Mas não vim falar da humanidade, hoje não! Vim falar da minha reconexão num momento tão horrível para muitos. Eu me encontro dentro de mim, com meus neurônios em rave constante, meu coração apaixonado pelo que faço, minha intuição agudíssima e sempre certeira, minha essência. Fiz um tratado comigo, cada vez que pensar algo ruim ou idiota vou fazer uma ação simples positiva (mando msg para alguém que não via), abraço uma filha do nada, faço algo em casa que estava pendente. Tem funcionado melhor. Não sei ser diferente de como sou, eu exagero pra caramba eu sei, em tudo mesmo, mas eu nunca minto, eu nunca finjo ser quem não sou. Aviso de cara e quando piso na bola sou a primeira falar. Craquelar é difícil para mim, é como se pintasse o quadro da vida com muito amor e energia e na hora de compartilhar e mostrar, alguém jogasse um banho de água fria. Seco! 
Acredito que quem esteja lendo não esteja entendendo muito bem ou se questionando o que teria acontecido. Nada! Não briguei com ninguém, ninguém me criticou duramente, na verdade o maior problema sou EU comigo MESMA. To sendo impulsionada a lidar com várias coisas, acertar erros, me liberar do passado, ser mais paciente, entender que nem tudo vai poder ser sempre do meu jeito. Aprender a reaprender! Difícil isso!
Realmente escrevo aqui porque sei que poucos leem blogs porque os textos são longos, eu escrevo porque é onde me encontro e me liberto. Libero emoções... acordei hoje depois de uma noite de insônia pura com essa palavra na cabeça. Aí separei a palavra para brincar. CRAQUE - LAR! Craque do lar...talvez eu seja mesmo neste momento em que tenho que ficar em casa. O lar é sagrado, o meu é refúgio, gosto, só cansa um pouco a maternidade. Exaustivo fazer tudo em épocas de pandemia e ser mãe e dar conta, e escutar, atender, resolver, e aí quando tu consegue fugir disso para dar respiro... craquela, porque quem está próximo ou "quems" não estão interessadas nas tuas histórias e pirações. As pessoas estão cansadas, desmotivadas, estressadas, infelizes, violentas, possuídas, emboletatas (termo que uso para muitos boletos a pagar). E aí não tem tempo para ouvir. De verdade sabe. A louca do teatro com ideias mirabolantes, a adolescente apaixonada, a mãe surtada, a filha cobrada todo o tempo e assim sucessivamente. 
Ah se as pessoas soubessem tudo que rola no meu infinito, porque falo de dor como aliada no processo criativo... não é para ser FODA, TOP, DIFERENTE ou VENDER CURSO. É porque ainda estou liberando minhas dores, me entendendo, revirando tudo, mexendo em feridas profundas para sangrar de vez e limpar... não tenho medo de falar o que sinto e penso, mas agora entendi para QUEM posso falar o que sinto e penso... são coisas distintas.
Quando olho para o céu e vejo um dia frio e lindo como hoje penso "dia lindo para sumir", "dia lindo para estar nos braços de alguém" que não quer estar nos meus, "dia lindo para escrever sozinha",  "dia lindo para tomar café e divagar." 
Não estou deprimida, nem infeliz, nem mandando indireta a ninguém. Estou apenas liberando ideias depois de uma semana de trabalhos intensos e profundos com dores alheias, num curso online que foi incrivelmente desafiador. Muito mexeu em mim e nos outros. E mais uma vez não consigo compartilhar nem metade do que sinto, porque as pessoas não querem mesmo ouvir. Elas escutam um pouco e mudam de assunto ou sacodem a cabeça acenando sim e com a mente longe... A gente sempre sabe quando prestam atenção na gente não é verdade? Quando se preocupam, quando te querem bem de verdade. E pensando nisso, me sinto totalmente idiota. Idiota. Idiota! Mas se ser idiota é tentar ser minha melhor versão, não cometendo os mesmos erros do passado e seguindo, desculpem amigos sensatos, serei idiota eternamente! Porque nunca mais vou ir contra quem sou e o que sinto para agradar gente que que não faz ideia da minha história e de tudo que passei sozinha para chegar onde estou. Podem rir, podem julgar, podem blasfemar... eu até posso craquelar mas na Arte,  o craquelado pode virar obra prima de Arte. Não existe erro, existem tentativas, esboços e sempre há CRIAÇÃO. 
Crio todo dia meu mundo particular, e dentro de mim, tudo dá certo, é lindo, divertido, tem riso alto, tem café quentinho, tem vida. 

Lisiane Berti craquelada das ideias...