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domingo, 7 de março de 2021

Mulher, mãe, brasileira e pandêmica...

 



Mulher. Fêmea. Útero. 44 anos. Branca (queria ter cor).  Mãe, por opção duas vezes e não por acaso. Agora mais mãe solo. Solo arenoso.  Atriz, (sem trabalho no Brasilis pandêmico), professora (taxados de vagabundos por muitos por não quererem voltar as aulas presenciais em meio ao caos na Terra Tupinikim), diretora de teatro (sem teatro para dirigir ou sequer ensaiar pois estão fechados), locutora comercial (fazendo poucos comerciais ultimamente), preparadora de elenco (de qual elenco mesmo?), brasileira (que vergonha e que tristeza ver esse país sangrando em céu aberto). Pandêmica. Dia 18 completo um ano de "paralização obrigatória" em função do vírus. Um ano que a minha vida, assim como de muitos outros, não andou, parou, estagnou, estagnamos!
Ah sim, o Dia Internacional da Mulher. Ano passado gravei um vídeo. Estava bem, lúcida, já ouvia rumores do vírus mais jamais imaginei que chegássemos a esse ponto, se é que podemos dizer que chegamos, pois como disse não saímos do lugar. Brasil, meu Brasil brasileiro... (Helena dançou essa música recentemente e repete às vezes). 

Me sinto entubada, sufocada com a minha própria voz feminina. Ainda me sinto privilegiada de ter saúde, de estar em uma casa, de estar bem e podendo (ainda) trabalhar de alguma forma. Não tive COVID (que eu saiba não), mantive um ritmo de trabalho interessante em meio pandemia de certa forma. Me virei, sobrevivi segui. Entre tropeços, trancos e barrancos, como tantas outras mulheres.
Comemorar o que mesmo nesse dia? Sim, a luta, o ser mulher. Dar voz a quem não tem, muito foi conquistado, já foi pior é verdade, mas ainda está longe do que queremos de verdade: RESPEITO! Mas não vim aqui falar das lutas sindicais, de feminicídio, de valorização e tantos outros assuntos que envolvem o nosso SER. Muitos já o fazem com excelência, e eu quero ser um pouquinho diferente. Meu recado é para a mulher que está em casa, descabelada. Que engordou na pandemia, que tem filhos, que deu aulas, que cozinhou, que arrumou o jardim para depois pisoteá-lo, da mulher que teve que assumir as compras dos pais, cuidar dos avós, que perdeu o emprego, que tentou receitas que deram erradas, que nem pode chorar porque não teve tempo. Da mulher que mofou vendo novelas repetidas, que cansou de rede social, que perdeu contatos, que migrou pro online, que nem lembra o que é tesão, que se embebedou várias vezes e riu sozinha, que surtou sozinha, que morreu aos poucos sozinha. Das mulheres negras, brancas, roxas ( que apanharam ainda mais de seus companheiros estressados), das mulheres que sustentaram a casa com bravura, das mulheres que se divorciaram porque RE/conheceram os seus e se decepcionaram, das mulheres que tiveram COVID e voltaram, das mulheres que ainda se cuidam, das mulheres que se foram para todo o sempre.

Mulheres. São  muitas, tantas, mas quero falar das malfaladas, malfadadas, ditas brasileiras. As bundas mais lindas do mundo, com melhor gingado, as fáceis, as gostosas, as "sei lá o quê"... as pornográficas que Nelson Rodrigues tão bem descrevia. Ah, costas largas temos não? Muito rótulo carregado, muito peso jogado a céu aberto, muito comercial de cerveja midiático, muitas imbecilizadas, outras merecidamente imbecilizadas. Agora todas sob a obscuridade da pandemia que aterroriza o mundo e está acabando com o pouco que restava do nosso país. Nos sentimos numa guerra, uma guerra que sabemos que já perdemos. Todas, eu disse TODAS, ricas, pobres, negras, trans, lésbicas, "burras", inteligentes, domesticadas, selvagens, religiosas, pagãs, casadas, solteiras, viúvas, divorciadas, odiadas, amadas... TODAS à espreita do vírus x economia x educação x política x vida própria.

Então minhas amigas, que cenário eim? E que dia para comemorar! (rio para não chorar). Não estou sendo sarcástica, nem debochada, mas hoje não consegui escrever de outra forma. Sem essa hostilidade. Eu realmente amo ser mulher. Ainda sangro todo mês! Amo meu cérebro, minha sensibilidade, minha forma de ver e perceber o mundo, minha intuição. Amo a força que tiramos das vísceras quando somos testadas, quando nos tiram para "sexo frágil". Todos esses dons e tantos outros que só nós mulheres recebemos ao nascer, simplesmente por ser mulher. Os homens receberam outros dons, comuns e naturais a eles, não vamos aqui negar o poder e força masculina. Essa dualidade necessária ao contexto do mundo. Do SER humano.

Talvez algumas mulheres ao lerem isso sintam-se ofendidas, detestem minha escrita. Tudo bem, é um direito, mas não estou aqui para agradar, estou no meu blog, escrevendo minhas coisas, sob minha ótica (talvez seja a errada, mas ainda assim é a minha). 
Quero registrar o que se passa no mundo, no meu país nesse momento de luto absurdo e surreal, na minha cidade (bandeira preta até dia 21/3) e dentro de mim, o MEU mundo particular. Tenho escrito pequenos textos nas redes sociais que me "vem", quero rever tudo isso daqui há alguns anos e se me for permitido estar viva, rir e dizer "Uau, sobrevivi!". Por hora, não sei o dia de amanhã, então é urgente escrever e escrever e escrever...
Estou com várias pessoas amigas em depressão, tantas outras perderam seus empregos, na família nenhuma perda pelo Covid (ainda) mas muitos já "positivaram"e sofreram. Muitos artistas partiram, meus colegas de Arte numa penúria, num sufoco absurdo, muitas mulheres conhecidas, queridas que estão perdendo a luta. Respiro. Meus olhos se enchem de lágrima. Me sinto engessada, atolada, cimentada. Com se não conseguisse mais sair do lugar. Ah mulheres, e somos nós que temos acalmar tudo, acalentar, soar palavras de conforto nesse mundo enlutado. Nosso dia, tanto para comemorar e tanto a chorar. Um duelo se passa dentro de nós. Em mim pelo menos, todo dia. E nem sempre ganho! 

Calma garotas, estamos aqui para nos darmos as mãos (mesmo que virtualmente), respirar um pouco, nos olharmos, nos encontrarmos nas dores alheias, nos suportarmos (de suporte, de sustentáculo). Nos vejo como polvos do mundo. Imagem que me veio agora, unidas em uma única oração, entoando cânticos para salvar nosso planeta. Somos uno, uma espécie rara, mesmo que ainda cansada das batalhas da vida.

Como mulher, mãe, brasileira e pandêmica me encontro em ti. Me vejo em ti. Choro e rio contigo. Embalo nossos mortos, rezo em voz baixa porque às vezes não tenho forças para gritar. Te admiro. Te honro. Te compreendo. Venero teus valores, teus esforços, eles não serão em vão. Eles não ficarão ao acaso. Voaremos juntas como o vento, em outros tempos. Jogaremos nossas cinzas ao mar, libertando nossos ancestrais. Feliz nosso dia, mulheres! Ainda temos nossa melhor roupagem (nosso sorriso), ainda temos nossa melhor estética (nosso coração) e ainda temos nossa maior beleza (nossas mãos que tudo tocam, afagam, acarinham e lutam).
Te amo mulher! Se não ouves de quem gostaria, escutes de quem te entende de verdade, que conhece como ninguém tuas lutas e fracassos. Não tenha vergonha de chorar, não tenha vergonha de sorrir, não tenha medo de ter medo. Eu te amo por tudo que estás passando. Te amo por estar ainda tentando, te amo por fazer aquilo que consegues nesse momento. Ser a mulher que és.
Nosso destino está mesmo em nossas mãos? Não sei. Não ouso sequer perguntar.
Mas continua mulher, continua fazendo aquilo que sabes que só tu consegues fazer. 
Continua a te movimentar mesmo que tudo agora, nesse momento pareça difícil. Quase impossível. Siga teu coração, ele talvez não pague teus boletos mas te deixará mais leve nessa passagem.
Quando te sentir triste e infeliz, lembra de colocar uma música e dançar em prece contigo, olha para dentro de ti e todas as respostas estarão lá. Tu sabes, tu sempre soube.
Que minha escrita (minha forma de oração) toque tua historia, teu momento, tua luta, tua dor, tua alegria.
Não sairemos ilesas disso tudo, mas podemos sair melhores não acha? Podemos tentar juntas.
Estou aqui. Escreve para mim. Fala comigo. 

Me sinto melhor depois desse desabafo, é como se alguém me sussurrasse no ouvido e me dissesse, vai lá, escreve um pouco. Não te perde do teu propósito.
Que assim seja e que dias melhores cheguem logo...
Amém!

(Pelo dia Internacional da Mulher de 2021)

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