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sexta-feira, 11 de fevereiro de 2022

Foto de Paula Vinhas



Todo ano a cada intensivo e imersão, eu espero um pouco, passar alguns dias de reflexões e sensações e escrevo. Ainda acho que escrever é a melhor forma que consigo me expressar, dentre tantas outras. Pois bem. Fevereiro de 2022. A Nova Terra recebe dez participantes para mais um intensivo Você e sua Verdade (este ano mudei de Ator e sua Verdade para este nome). 

De todos os exercícios feitos em 12 anos, somente um foi repetido, a escolha da música que neste momento "representasse" a pessoa, sua história, sua "verdade". Comecei jogando uma caixa vazia no centro do círculo, convidando a todos a "pensar fora da caixa"e que naqueles 3 dias íamos literalmente, esvaziar a caixa, reorganizar a caixa e colocar novas formas e ideias para irem para o mundo.

Copeau (um dos teóricos que alicerçou o trabalho este ano) diz que "aqueles que se afastam do teatro e o desprezam, a pretexto de que ele é uma arte convencional, não entendem absolutamente nada dele. Pensam em artifícios baixos, em truques grosseiros que nada tem a ver com o teatro vivo." O que eu proponho no intensivo é mergulhar nas próprias dores, identificá-las e aproveita'-las conscientemente num processo criativo. Um mergulho em si em primeiro lugar, usando o teatro como a ferramenta de comando. 

Pois bem, destes 10 participantes, metade eu conhecia, muitos ex alunos, outros nunca tinha visto, e essa mescla foi extremamente interessante. Muitos não eram atores, outros aspirantes, outros nunca haviam pisado num palco. Mas eles tinham algo em comum: DOR!
Quando falo em DOR leitores, falo desde pequenas dores as mais pulsantes, necessariamente não em tragédias, até porque não sou terapeuta, psicóloga ou psiquiatra e não tenho ferramenta para lidar com isso a fundo. Respeito demais cada participante e sempre falo, faça o que sentir, mas somente se QUISER, ninguém é obrigado a nada neste curso. 

Eu proponho um "apresentar"  e não um "representar". Independente da área de trabalho, como posso trabalhar minha verdade e transmutar minhas dores para auxiliar no meu dia a dia dentro do meu processo criativo, seja ele, qual for.  O ator improvisador se deixa surpreender – momento de atenção e silêncio - e, de seu estado de “não saber previamente”, mobiliza-se em direção à expressão dramática sem subjugar-se à justificação discursiva. Há um relato de Copeau, em 1931, no qual, ao selecionar a turma de jovens aspirantes para a sua companhia, fala da intuição ativa que busca, no lugar de um saber fazer ou as aparências do talento, uma “escuta ao fundo natural de cada um, a qualidade de um sorriso, um gesto surpreendido fora da cena, uma palavra talvez ditada pelo coração” (COPEAU, 2002, p. 99). A surpresa é o desafio do ator improvisador: capturar as variáveis do instante, a luz, a sonoridade, os fluxos de um movimento, os conflitos oferecidos pela ação, a engenhosidade, a imaginação em pleno exercício, a economia e precisão do gesto até chegar, posteriormente, à palavra justa.

Sair da zona de conforto. Permitir-se. Não julgar, não racionalizar. Não tentar explicar. Ser, apenas ser. Sempre comento no curso que as emoções irão fluir e peço que não se abracem ou interfiram no processo do outro com "palavras de consolo" ou "achismos". Haverão momentos para isso, mas no âmago dos exercícios, o importante é OUVIR e SENTIR. Bem difícil no mundo do "click" e da urgência em achar explicação para o que não necessita ser explicado. Voltemos aos dez participantes.

Cada um chegou com o "pé atrás", armados, tensos, cheios de expectativas. Uns reclamando do ponto de encontro, outros chegando em cima da hora, chuva (eu adoro), energias distintas. Idades distintas, experiências distintas. Começa os trabalhos. Analiso, sinto, sigo o fluxo. Me deixo levar pela minha intuição para conduzir o grupo. E que grupo! Vozes potentes (inclusive para canto), corpos disponíveis e improvisaDORES, textos rimados, falas cantadas, raiva, grito, movimento e claro, ela se fazendo presente, nossa DOR de cada dia. Houve quem quis desistir e não desistiu, houve quem quis driblar a dor, não conseguiu, houve quem fingiu que já a dominava e foi desmascarado. Vejam, não quero provar nada a ninguém, não sou dessas. Só quero mostrar possibilidade de um caminho, em momento algum digo que este é o único caminho ou o certo, mas na estrada da vida há muitos atalhos, caminhos, rotas para o mesmo destino e nem por isso você deixa de chegar. Cada um tem seu tempo. 

Vi cenas que me emocionaram profundamente. Ouvi discursos desfeitos em lágrimas onde  a palavra não cabia ou  já não dava conta. Reconheci pessoas que convivia, nesse reconhecer me vi um pouco em cada uma e ao mesmo tempo em nenhum deles. Trabalhar a escuta, auscultar todos os sinais que organizam a vida: momento de trabalhar as habilidades, seguindo a relação disposta por Copeau, e que se evidencia pela busca das mais variadas linguagens que possibilita a criação em cena. Segundo o mestre francês, o desenvolvimento das habilidades corporais deveria ser acompanhado por um crescimento interior do ator e essa atitude tinha como substrato um conceito atribuído ao filósofo Henry Bergson, o “impulso vital”, no qual o intuitivo precederia o racional, nutrido pelos exercícios com máscaras, pela música e pela dança. Nossa caixa foi a máscara, nossa música foi nossa verdade, nossa dança foi um "baile pessoal com a dor".

Também chamei uma fotógrafa mulher, a Paula Vinhas este ano, pois queria um olhar feminino sobre o meu trabalho. Sempre foi o Sérgio Azevedo meu fotógrafo oficial, adoro o trabalho dele, mas quis experenciar esta nova ideia. A Paula me trouxe uma outra perspectiva do meu trabalho. Segue um pouco do olhar dela, creio que as imagens falem por si.