Vista da janela do quarto da Pousada Cafundó |
Sábado. Cerração. Frio. Chuva. Dia não muito atraente para pegar a estrada e finalmente conhecer a Pousada Cafundó em Cambará do Sul. Duas vezes eu tinha feito reserva e cancelado por motivos de trabalhos. Saímos pela manhã. No meio do caminho, depois de uma pausa no Café Tainhas (para um café preto sem açúcar), o tempo foi abrindo, como se estivéssemos saído do filme "As Brumas de Avalon"e entrando em uma "matrix", com sol e tempo aberto. Chegamos! Cheguei! Finalmente, após uma pequena espera para check in.
Escadaria. Vista de tirar o fôlego. Silêncio. Vento. Pássaros. Ovelha recém nascida gritando ao longe. Coaxar dos sapos. Mas não estou aqui para falar dessa visita tão esperada, estou aqui para falar dos "sinais" que a vida me deu, sobretudo nesse fim de semana.
Vamos começar pelo nome do local:
Cafundó - baixada estreita entre encostas ou lombas altas e íngremes. Local de difícil acesso, esp. quando situado entre montanhas ou quando longínquo e pouco habitado (tb. us. no pl.).
Se me dissessem há uns anos atrás que eu iria para lugares assim, literalmente me esconder, eu riria e diria jamais! Meus pais moraram longe na minha infância nos "cafundó do Judas" perto da Usina da Toca e eu sempre fui incompatível com natureza. Era, pelo menos! Sentada no banco de madeira da pousada, olhando exatamente a imagem acima, vendo as árvores balançar me dei conta que ultimamente, ando trabalhando em lugares que jamais imaginei ou dizia que não trabalharia, ando cada vez mais me esquivando de gente (logo eu que sempre trabalhei com várias pessoas). Comecei um livro que já era para ter sido terminado há pelo menos dois anos. Parei, me perguntei o que de útil esse livro vai servir? Escrever só por escrever? Não, precisa realmente fazer a diferença. A pesquisa de 10 anos pareceu não ter sentido na pandemia. Mudei tudo, comecei do zero, reescrevendo página a página. A primeira coisa que ouvi na chegada do recepcionista da pousada após dizer que finalmente ia conhecer o lugar que duas vezes cancelei, ele ri e responde: "Que bom que não desistiu, veio na hora certa e tenho certeza que vai voltar". Sim, vou escrever na hora certa e com certeza vai ser mais significativo. Universo me manda recado um.
Seguimos com os relatos e meu super "tetiateti" com o Senhor Universo. Noite cai. Frio. Vento. Muitos papos. Papos sérios, risadas. Música boa. Desligo o celular. Chega de receber mensagem de trabalho. Hora de desligar mesmo. Noite em que sonhei muito e apaguei. Sonhei com pessoas que trabalho há anos, que me levavam em reuniões (das quais eu tive de deixar pessoas esperando) e na hora de entrar para a reunião me deixam do lado de fora. Acordo com a sensação de que novamente estou dando atenção demais a quem se preocupa comigo só quando precisa. Não podemos cometer esse erro Lisiane Berti, de carregar os sonhos dos outros nas costas, você já fez isso uma vez. Acorde. Acordei e tive a certeza de que meus últimos "nãos" para o trabalho foram corretíssimos. Ok Universo, mensagem dois recebida com sucesso.
Voltamos. Antes um abraço apertado. Daqueles que a gente não quer que acabe porque tem medo de voltar para a dura realidade. Daqueles que te sente pequena (e olha que ocupo espaço). Afeto. Abrigo. Eu nunca fui muito de abraçar, até uns anos atrás minha filha me cobrava muito isso. Hoje é uma das coisas que mais faço. ABRAÇADORA! Cortamos caminho. Fotografei dois túmulos, paisagens, casas que foram importantes na vida da pessoa que estava comigo. A vida. Os sonhos. As pessoas. Mudam todo o tempo. O que fica? O que você carrega no seu corpo: memória, história, conhecimento e vivência. O resto é pura bobagem. Sentimos a nostalgia ali. Eu escrevo, meu queridinho relembra a vida, a infância, os tempos ligados a natureza. Respeito. Respeito absoluto pela história dele. Pelas vivências dele. Viver o hoje! Universo me faz entrar na estrada de chão batido feito de simplicidade e pó, para não esquecer exatamente disso: tudo acaba em pó. Aproveite seu dia. Não corra tanto. Dê valor a quem quer estar com você.
Almoço. Visitamos um amigo. Acho que foram 30 minutos para colocar a vida em dia. O amigo em questão fala sobre estar a 50 anos no mesmo trabalho, sobre estar sozinho e bem, sobre ter vivido o que precisava, sobre não ter problemas, sobre ter a melhor vista da cidade e curtir a solitude. Sobre SER e não sobre TER. Outro café. Outro recado: a vida é para os corajosos. A vida é para quem não tem vergonha de dizer "não deu certo", "eu tentei mas não consegui". Fracassos são eminentes. Vem e vão. Fracassei em muitas coisas na minha vida. Em empregos, amigos, amores, faculdades, escolhas que achei que eram as melhores e não foram. Fracassei bravamente. É provável que ainda fracasse mais e melhor. Mas todos os fracassos me trouxeram a esse entendimento de vida. De um pouco de maturidade depois de muito bater a cabeça. Tá bom Universo, seguirei tentando. Fracasso aqui, sucesso ali. Tudo efêmero!
Pés no chão, olhos no mundo, no meu mundo |
Voltamos. Voltei. Mil reflexões. Pensamentos. Divagações. Em casa recebo um abraço da Helena e um "como foi mãe, se divertiu?" da Ísis. Espero que minhas filhas tenham os aprendizados delas e se tornem boas pessoas, por hora já são. Cada uma tem um lindo caminho pela frente , mas sei que não serão belos e fáceis todos os dias. Meu queridinho vai para a casa com seu fiel cachorro. Vou para a minha. Imagino do lado de lá o que se passa, o que ele pensa e sente. Tenho meu entendimento, ele o dele. Talvez para ele tenha sido apenas um lugar para passar o fim de semana. Sem stress como ele diria. Para mim foi um misto de muita coisa. Tem muitas outras coisas que poderia discorrer aqui, mas prefiro apenas guardar na memória, bem escondido, para ninguém ver e saber mesmo, porque não interessa.
Escrevo na primeira pessoa, no meu blog, coisas bem pontuais e pessoais. Espero que desse lado aí, de alguma forma, você também pare um pouco para prestar atenção aos "recados do universo", eles são corriqueiros quando você realmente escuta, ouve, sente. Há quem ache isso uma grande bobagem e está tudo bem. Respeito. Cada um com seus argumentos. Está tudo certo. Cada um sabe dos seus "cafundós", dos seus lugares perdidos no meio do nada. E justamente nesses lugares íngremes, perdidos, seja no campo ou na memória é que você vai encontrar as respostas que precisa, com quem precisa e do que não faz mais sentido na sua vida. Aproveite para esconder-se e achar-se. Aproveite os raros momentos de "difícil acesso" a você mesmo. A vida nos atropela o tempo todo! Eu me deixei atropelar durante muito tempo, por bobagens, mesquinharias, por pessoas, coisas, medos bobos. Ainda deixo às vezes, mas agora com menos frequência.
A vida da rede social tem me deixado cansada. Muitas das pessoas que admirava e gostava postam X e fazem Y. Quanto mais vejo os bastidores mais me decepciono. Não sou santa, também erro, faço idiotice, me arrependo. Apago. Deleto. Mas tenho tentado realmente ser "útil" em todos os sentidos. Tempo é preciosidade. Tempo é vida. Tempo nunca deixou de parar. E nestes tempos pandêmicos, avassaladores, cansativos, difíceis, procuro do meu jeito, entrar em contato "cá com meus cafundós, remendando emoções", falando o que sinto sem esperar nada. Detalhe, falando a quem ouve de verdade, sem gastar energia com quem não quer mudar.
Sigo. Seguimos!
O medo me faz duvidar às vezes de muita coisa, as cicatrizes dos tombos passados me lembram que preciso ser mais cuidadosa comigo. Não posso mais me dar ao luxo de brincar com minhas emoções. Na dúvida, saio de fininho, sem chamar atenção e vou para casa. A liberdade de poder ir e vir. Fechar portas. Entregar a chave na recepção e agradecer por tudo. Até a próxima, talvez. Ou não!
Não sabemos! Ninguém sabe muito na verdade.
Lisiane Berti