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domingo, 11 de julho de 2021

Fundação Cultural de Canela encerra atividades

 


Sérgio Azevedo Fotos


Li com muita tristeza e na corrida na sexta (09/07), a matéria do Jornal Nova Época de Canela, com uma foto da atual presidente Glenda Viezze, falando que depois de 30 anos a Fundação Cultural de Canela irá fechar. Passou "batido" no primeiro momento, mas depois com calma fui me inteirar e a primeira coisa que fiz, foi falar com a a própria Dona Glenda, a quem respeito e estimo muito e não é de hoje, para entender e depois me posicionar aqui, no meu blog, porque sei que quem vai ler, será por curiosidade ou porque realmente se preocupa com a cultura da nossa cidade.

Deste tempo todo de Fundação eu acompanhei quase desde o início quando sua sede era ali, no prédio onde hoje é a Estação Campos Canella, embaixo da então Biblioteca Pública. Hoje ela tem uma sede própria com o Espaço Nydia Guimarães, aos fundos da Churrascaria Espelho Gaúcho, a casa colorida da esquina.  A Fundação foi criada lá atrás por uma necessidade, de dentro da prefeitura e porque as verbas naquela época, precisavam de uma entidade para poder utilizá-las. Hoje tudo mudou, agora precisa ser a própria prefeitura a adminstrá-las com editais e licitações.  Durante anos a Fundação teve como "carro chefe" o Festival de Teatro de Canela, o Festival Internacional de Bonecos de Canela ( se mantém capenga mas ainda existe graças aos esforços da entidade e a boa vontade do atual prefeito), entre tantos outros eventos e inclusive editais nacionais ganhos. 

Eu, que não sou hipócrita, questionei algumas vezes o papel da Fundação. Houveram épocas que eu achei ela muito "fechada" e não entendia porque sempre os mesmos, estavam a frente, num conselho fechado, trocando apenas as cadeiras da diretoria. Isso algumas vezes me incomodou profundamente. Mas, como disse, não sou hipócrita e em 2016 assumi o Departamento de Artes Cênicas da Fundação Cultural e de quebra coordenei em 2016 e 2017 o Festival Internacional de Teatro de Bonecos de Canela. Ali, vi de perto o bastidor da coisa toda. Ali vi como funciona a máquina pública, os editais, as negociações e a dificuldade que já naquela época a Fundação enfrentava. Se não fosse esse mesmo conselho fechado, que não recebe salário algum para trabalhar (a direção não pode), talvez ela tivesse sido extinta bem antes. 

Presenciei de perto, ao lado da Dona Glenda (falo dela porque foi ao lado dela que mais trabalhei) e da Zita que faz (loucamente e brilhantemente a parte burocrática e prestação de contas) que vi muita coisa, passagens aéreas sendo pagas pelos bolsos da própria para que os artistas pudessem chegar ao festival e sem uma certeza se receberia de volta ou quando receberia, vaquinhas para pagar luz e água, projetos, batidas nas portas do empresariado local e comunidade que por sinal sempre abraçaram como puderam a causa entre tantas outras coisas. Vejam bem, não escrevo aqui para defender ninguém, escrevo pela indignação que me causa mais uma vez nossa cidade perder algo de tamanha importância, porque sim, independente de partidos , e mais ainda por ver posicionamentos e "lamentações" de  alguns artistas locais que sempre falaram mal da entidade ou ficam até hoje em cima do muro, sabe aqueles "neutros"que precisam garantir um "cachezinho" básico no natal ou páscoa, mesmo que mísero, e garantem assim a sua "sobrevivência" temporária ficando de "bem"com todos, porque assim, conforme quem entra, ou o partido "x" eu garanto de novo meus "cachezinhos" e posto na rede social como sou produtivo. Pró ativo até! Bonito, não?

Não perco meu tempo respondendo ou criando polêmica em rede social com gente que nem sabe da história cultural da cidade mas adora bisbilhotar e falar mal. Informem-se antes e façam o favor para si, de estudarem ou no mínimo pesquisarem para depois tecer comentários. Tudo que está acontecendo conosco, agravado ainda pela pandemia, é resultado daquilo que plantamos, ou deixamos de plantar, ou ainda largamos nas mãos de quem não entende "patavinas" de cultura e está no poder. Sempre foi mais ou menos assim. Minha escrita é um grande puxão de orelha a alguns  "colegas artistas" (sim eu posso fazer isso, porque não comecei ontem e sempre trabalhei pela cultura local, bandeira essa que sempre levantei nos eventos, entidades, escolas e lugares por onde passei). Por onde andam vocês? O que fizeram além de apresentar projetinhos focados no próprio umbigo? Fazer postagem em rede social não é posicionar-se queridos, quando fundação precisou do apoio, por onde vocês estavam? Em 2016 uma das primeiras coisas que fiz no Departamento de Artes Cênicas foi convocar todos os que trabalhavam com teatro e Arte na cidade (inclusive os que se odiavam) para uma reunião, para que a gente pudesse pensar e trabalhar juntos, em prol de todos nós e pela comunidade. Para minha supresa, a grande maioria foi, mesmo com olhares atravessados, conseguimos fazer algumas coisas juntos, como o Dia da Arte Livre, o Projeto 3x4 em Canela (focado em buscar a identidade local e propor uma programação mensal em diversos teatros, quando os tínhamos, na cidade). Ainda como coordenadora do Bonecos , apoiada pela Dona Glenda, propomos oficinas de teatro gratuita com os bonequeiros internacionais (afinal eles vinha, ganhavam cachê em euros, comiam do bom e melhor, apresentavam e o que deixavam a cidade e aos jovens bonequeiros?). Também foi com a Dona Glenda que aprendi a ir bater de porta em porta com elegância, usar do currículo artístico e envolvimento comunitário com respaldo para pedir apoio e ser sempre bem recebida, e foi justamente num desses festivais que sugeri homenageá-la com a banda marcial da Escola Neusa Mari Pacheco na abertura de um Bonecos com a música favorita dela. Ela merecia e merece muito. (foto desta postagem)

Meu "bravo" e obrigado de verdade a todos os conselheiros da Fundação, amigos, pessoas envolvidas que doaram tempo, ideias, projetos e horas de trabalho. Não foi em vão. Nunca é! Mas pra mim, atualmente, a Fundação e muito da cultura canelense se resume na pessoa "Dona Glenda", ela sim, lutou muito por muita coisa que a comunidade artística nem faz ideia, muito antes da criação da Fundação e justamente por todas as vezes que a entrevistei, convivi e trabalhei com ela, decidi hoje (domingo) ligar e saber como ela estava com tudo isso. Emocionada ela me respondeu, elegante, mas num tom de voz triste, de quem entregou os pontos mas acredita ainda na luta, nas novas gerações de artistas (eu não sei se acredito mais). Ela ressalta: "A Fundação não estava mais conseguindo cumprir com seu objetivo, todos os conselheiros foram unânimes, era hora de encerrar os trabalhos." A primeira mulher a entrar para o Rotary em 1998, uma das pessoas que viu de perto o nascimento do Festival de Teatro de Canela na Escola Cenecista, quando era diretora para evitar a evasão escolar dos alunos, o teatro foi uma estratégia que deu certo. A mesma mulher que acompanhou a compra e a polêmica do canhão seguidor em Canela, que encomendou um bolo de 50 metros e colocou na rua para comemorar os 50 anos da cidade.  Canela deve muito a Glendas, Sheilas, Nildinhas, Marinas, Romas, Catarinas e tantas outras mulheres que lutaram pela cultura. Canela vem perdendo sua identidade cultural e não é de hoje, e  não adianta apostar apenas em turismo, rótulas, asfalto, progresso. Nosso diferencial sempre foi o embrião comunitário. O pilar Arte/ Comunidade/Escola sempre geraram e gestaram nossos eventos (Sonho de Natal, Feira do Livro, Festa Colonial, Festival de Teatro, ...)

Mais uma página virada. Mais um história encerrada. Não é daqueles finais que a gente esperava, mas enquanto Canela se perde nos contextos identitários, Gramado alavanca (eu eu torço muito por isso mesmo porque trabalhei 10 anos concursada lá pela cultura também). Gramado soube se posicionar e correr atrás. Lá tem alguém certo, para o cargo certo que faz! Todos estão juntos focados em apoiarem-se, sobretudo nas políticas públicas. Canela me parece estagnou, patina nas mesmas demandas de 10, 15 anos atrás e se contenta, não encontro outra palavra, com o que tem. Como disse antes, se tiver meu "cachezinho" de Natal, tá bom. Se garantir "o meu", tá bom! E assim vamos afundando. Talvez quem me lê, diga ou pense : "mas quem ela pensa que é para dizer isso ou falar dos artistas?". Bom, eu não estou falando dos artistas e sim, de "alguns artistas" que se vendem mal, que puxam tapete, que fazem políticas errôneas, que fraudam projetos, inventam currículos, alteram dados para conseguirem seus projetos aprovados. Por causa destes mesmos, pagamos um preço alto para tentar ser justo e corretos e não ouvir sempre : "ah, mas vocês fazem qualquer coisa, são tudo igual"...

Os problemas estão aí. O cenário novo, pós pandêmico, sem o teatro (espaço físico) em Canela (outra luta perdida e talvez não muito questionada),  editais, licitações (nem todos são ruins quando feitos de forma eficiente), um descrédito cultural total com perdas como Festivais, Feira do Livro e agora o fechamento da Fundação. E virão outras perdas, outros eventos encerrados, não se enganem. Mas para que isso realmente não caia nos esquecimento, é importante lembramos que partidos vem e vão, entidades vem e vão, progressos vem e se desfazem, mas nós, nós comunidade, nós pessoas artistas, nós identidade, nós memória, nós ficaremos! Precisamos cuidar para não nos enclausurarmos em nossos nichos, em nossos teatros individualistas e acabar nos tornando prisioneiros da exploração comercial.  A simplicidade e o equilíbrio entre turismo e cultura são a maior força (ao meu ver ) da nossa cidade. Desde os primórdios quando João Corrêa viu aqui a  "ilha perdida no meio dos trópicos" e trouxe o trem, ou ainda lá atrás quando os imigrantes alemães como os Wasem foram se instalar lá no Caracol e viram um "mato de possibilidades", a Terra que sempre acolheu, que sempre preservou seu passado, origens, raízes. Isso é Canela! E sim, meus caros, devemos cada célula nossa a essa gente! Eles trabalharam muito e escolheram Canela para fazer história. Creio que é nossa obrigação preservar e lutar por estas mesmas memórias.

Acredito veemente nisso! Escrevo aqui, no meu blog, porque é onde me expresso com liberdade e respeito, mesmo sendo meu. Já fiz muito pela cultura local, talvez ainda faça mais, mas só luto e me expresso pelo que acredito. Não compro brigas que não são minhas. A maturidade vai nos ensinando a não ser tão trouxas. Nunca me filiei a partido político nenhum, realmente não encontrei uma sigla que me represente ou represente meus ideais. Mas foi no teatro, desde a adolescência e em Canela, que encontrei aquela chama, aquele pertencimento, aquele orgulho de bater no peito e dizer "sou canelense e participei dos anos áureos do Festival de Teatro de Canela".  Quem sabe precisamos (assim como sugere Dona Glenda ao conversar comigo) criar um núcleo de cultura teatral local, não uma Fundação, mas um núcleo ativo, sem levar em conta títulos ou partidos, mas a história e memória da cidade. Artistas comprometidos com seu tempo e sua Arte, uma renovação da cena cultural muito mais ousada, mais radical e eficaz. Falo de renovação e não de renascimento, pois o que já foi (falam sempre em voltar com o Festival de Teatro de Canela) não voltará mais, não nos moldes que foram extintos. Deixem os mortos descansarem e prestem atenção aos vivos (diz sempre minha vó).

O que temos de cultura viva e atuante em Canela em pleno 2021? Me ajudem , porque já não sei muito. Ausentes nunca tem razão! 

Lisiane Berti