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domingo, 17 de abril de 2022

Somos seres em Travessia


Neste feriado de Páscoa, eu fiz algo que há anos não faço: não trabalhei. Saí de Canela e fui a Rio Grande. Viagem planejada, mas o foco não era eu, fui apenas como acompanhante, minha ideia era apenas descansar um pouco a cabeça e curtir "minha pessoa". Foram praticamente 5h30 de ida e volta, bem tranquilas. Tudo correu bem , sem nenhum imprevisto ou stress. Mas na verdade eu tive uma aula. Uma aula de vida e um tapa de luva do universo bem na minha cara, literalmente. Explico. (a quem tem interesse).

Fui conhecer pessoas que nunca vi, em lugares que nunca pisei para relembrar histórias do passado de dois grandes amigos que não se viam há mais ou menos 40 anos e serviram juntos no exército. Foi interessante presenciar esse encontro e ouvir algumas histórias. Mas eu sou a pessoa que presta atenção no entorno, nos detalhes, no que não é dito, mas sentido. No olhar, nos gestos, nos tons. Teve situações que aconteceram, que talvez se fossem com outras pessoas eu me irritaria muito, como esperar, dar mil voltas... mas surpreendentemente eu me vi calma. Tranquila. 

O dia mais importante pra mim desse passeio foi no sábado, onde passei praticamente todo ele no Clube de Regatas de Rio Grande, sentada, ouvindo e observando as pessoas. Sim. Ouvindo mil histórias e o entorno. Eu tenho reclamado muito ultimamente de uma série de coisas da minha vida. E tive a certeza depois de ouvir tanta história  triste e dolorida que estou muito, mas muito bem e tenho uma vida muito especial. Talvez muitas pessoas queriam estar no meu lugar.

Tenho 45 anos, corro feito uma louca e isso por vezes cansa e estressa, porém meu corre é por coisas que amo, que gosto, minha Arte, ando cansada mas não estou com aparência acabada, sofrida e envelhecida (acho que não pelo menos). A vida tem sido generosa comigo!  Vivo um relacionamento que vai fazer 3 anos, que não é perfeito mas que dentro das nossas escolhas, formas de pensar e nos entendermos, funciona muito bem. A gente se entende só de se olhar, se respeita, se ouve, fala o que gosta e o que não gosta e antes de qualquer coisa somos muito amigos, de muitos anos, quando nem pensávamos em ter algo. Eu quase coloquei isso fora esses dias por cansaço, energias pesadas e outra coisas... Lá, vendo o que vi, como as pessoas falavam, o que contavam do seu passado, tudo que tinham perdido, as frustrações, eu pensava: "meu deus, eu tenho uma vida muito boa.". Pela primeira vez em anos, não tive vontade de falar nada, só ouvi e pensei. Senti que aquelas pessoas queriam ser ouvidas, precisavam de atenção. E eu dei, toda a que pude. Elogiei as comidas, dei meu tempo, meus ouvidos. Antes de sair de casa na sexta de madrugada rezei e pedi ao Universo que tudo corresse bem, que eu conseguisse descansar, que minhas filhas ficassem bem, que eu tivesse minhas respostas ao meus dramas internos. Eu tive! E muitas!

Tem várias coisas que preciso mudar é verdade, mas tenho bem mais coisas para celebrar. Nunca abri mão da minha Arte por nada nem ninguém, nunca deixei de fazer as coisas que gosto para satisfazer os outros, ceder é uma coisa, mas abrir mão de sonhos pelo outro, para mim é inadmissível. Não julgo, mas eu  acredito que jamais faria isso. Conversei com pessoas que perderam o brilho no olhar. Elas riem, são amáveis, mas se você ouvir vai sentir que apenas "levam a vida", presas a um passado que se foi, escorregou pelas mãos pelas decisões que tiveram. Lembrando que cada escolha tem uma renúncia e óbvio, uma consequência. 
Uma das frases mais duras que ouvi foi: "Eu não tenho mais escolha, sei tudo que vem pela frente, então estou só vivendo dia após dia, agora é tarde demais..." Isso foi um soco no estômago pra mim! Como assim? Sim, é assim! Alguns apenas contam os dias, vivem uma rotina sacrificante e dolorosa para sobreviver. Sobreviver, mais que tudo, as guerras internas. Aquelas feridas da alma.

Achei Rio Grande interessante pelos prédios históricos, mas ao mesmo tempo triste e sem cor. Vi tanto potencial em prédios, na história da cidade mas ouvindo os moradores, as reclamações é de que nunca tem nada, fora a violência absurda, pois a cada dia uma morte por questões de tráfico e drogas. Todos vivem um tanto "acuados e com medo". Isso é muito ruim! Moro numa cidade pequena, quando voltei o fluxo de trânsito an Serra Gaúcha estava um caos. Minha pequena cidade do interior tem programação direto, eventos. Aqui pode-se viver de Arte. Visitei o Teatro em Rio Grande, fechado. Prédio histórico. Nenhuma programação de Páscoa. Soube que foi reformado há 8 anos mas que não teve manutenção. Nenhum cartaz. Nada. Parecia abandonado. Teatros geralmente são abandonados pelos governantes. É de praxe! Tirei foto, toquei no prédio e pensei em quantos artistas passaram por ali e quantos gostariam de passar mas não poderão. E eu reclamo de um monte de coisa em Canela. Dos espaços culturais (que estão precários), das "panelas culturais" e por aí vai a novela. Também dá para elogiar de vez em quando.

A última vez que tive na psicóloga, reclamando (para variar) ela me disse: mas que tipo de relacionamento tu queres, afinal? Respondi que tinha exatamente o relacionamento que queria. Decidi aproveitar mais! Viver o presente. Sem muitos planos futuros. Vou dar minha presença. Meu tempo. Qualidade de tempo. É isso! Cheguei a pouco em casa, pequenas coisas já me estressaram. Coisinhas domésticas. Parei. Sentei. Decidi escrever. As coisas que me estressam são ajustáveis, possíveis de melhoras. De trocas, de ajustes. Eu tenho o poder de escolha! Eu posso mudar tudo se quiser, não é tarde demais para mim, não é!

Acredito que vou tomar várias decisões esta semana, sobre pequenas coisas. Tenho seguido o que acredito. Sou honesta comigo! Faço o que gosto, quero ser útil, não apenas fazer por fazer. Não sou assim. Me demiti de um contrato esses dias por isso. Ótima grana, poucas horas, liberdade de horários, mas não estava sendo útil. Seria cômodo ficar, grana fixa. Mas eu estaria sendo desonesta comigo e com a empresa que me acolheu. Falei a verdade e pedi para sair. Saí pela porta da frente, de cabeça erguida e coração leve. 

Coração leve... puxa que coisa mais boa não sentir o aperto que senti no outro fim de semana, sufoco, cabeça a mil. Insônia... como é ruim quando a gente não está bem. Tive que atender uma empresa fora e fazer um esforço tremendo para manter o foco e realizar o trabalho com excelência. Cada vez que perdia o foco meu olho enchia de água, tinha que respirar, tomar um café e voltar. Decidi escrever várias vezes a mesma frase no meu caderno de anotações: mantenha o foco, essas pessoas merecem o teu melhor!  Consegui! Mas não foi nada fácil. Saí com a sensação de ter feito um trabalho mediano. Odeio quando me sinto assim. Mas tudo se resolveu, penso. Meu desabafo foi tremendo. Também foi difícil para o outro lado ouvir aquela "bomba" que soltei. E quem joga bomba, recebe explosão. Recebi cada palavra, tentando interpretar da melhor forma. Ouvir é diferente de escutar. Mas você precisa saber interpretar, senão de nada adianta o diálogo. A interpretação é que dá o tom de tudo. Percebo que tenho feito interpretações bem errôneas, talvez esse texto possa ser uma interpretação errada do que vi e senti, e do seu jeito, as pessoas que conheci, são felizes assim, é o jeito delas! E está tudo bem! Se entendem, se apoiam em suas nuances de solidão e alegrias. 

Talvez minha escrita tenha o ego fluído, porque tenho usado aqui para falar de mim, de coisas bem pessoais. Mas acredito que me lê quem se importa ou se interessa. E sempre digo que escrever é terapêutico. Cura. Escrevo aqui porque sei que as pessoas tem preguiça de ler, então poucas chegam aqui. Até o fim. Bem poucas. E  tudo bem. Tudo certo. Você pode sair e não voltar. Quanto ao Universo, sou muito grata por tudo que ele tem me dado de lição, dos aprendizados. Ele me atende, mas me dá sempre o que preciso e não o que quero. Nem sempre o que eu quero é o que eu preciso. Agradeço ter conhecido as pessoas que conheci, simples, amáveis e hospitaleiras. Apesar de tudo nos trataram de uma forma amável, e não mediram esforços para nos atender. Penso que tornamos o fim de semana delas, especial. Não vão nos esquecer. 

Quanto ao meu queridinho, desejo sempre o melhor e ele sabe. Sei que sou difícil de aturar, ele já conhece todas as minhas caras, até minha escrita. Sabe direitinho quando não estou bem ou puta da cara. Conversa. Conversamos. Sempre conversamos e isso tem nos salvado de várias situações desnecessárias. Sou intensa e quero tudo para ontem. Tenho trabalhado nisso. Ele é calmo e tem o tempo certo e organizado para cada coisa. Tenho aprendido muito com ele. Espero que ele também tenha aprendido coisas úteis comigo. Somos completamente diferentes de tempos, ritmos, vontades, não temos a Arte em comum, amigos em comum pouquíssimos e por aí vai. Mas a gente se gosta para caramba e isso basta! 

Enquanto eu passeava rolava Gatzz, Estátuas Humanas (primeira vez em 10 anos que não fiquei na apresentação) mas deixei tudo organizado para sair tranquila. E falando de Páscoa e estátuas humanas, o texto deste ano, que escrevi encerra exatamente com a frase : somos seres de passagem e estamos em constante travessia. Espero que a minha, a tua travessia, a do mundo seja a mais evolutiva possível, que a gente aprenda sem sofrer tanto, tudo o que precisa para sairmos daqui melhor do que entramos. 

Feliz Páscoa a todos! (independente de crença...)
Sem ovos. Sem coelho.
De reflexão e escolhas saudáveis...

Lisi Berti


Somos seres em travessia...






Um comentário:

Unknown disse...

Texto porreta... mulher porreta