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terça-feira, 17 de fevereiro de 2009

Crítica ao meu texto "Dona Gorda" no Porto Verão Alegre

"À mesa, não se pensemos em números
Não consigo. Já tentei. E lembro que, na primeira vez em que eu vi, aconteceu a mesma coisa. Gravações de programas de rádio e comerciais de TV vendendo produtos para emagrecer sem esforço. Um após o outro. Depoimentos, telefones, receitas, remédios, máquinas, conselhos, apelos. Lúcia Bendati entra já como a personagem Claudinha. Entra correndo, de malha, fazendo ginástica. Pega uma revista e depois outra e troca de exercícios. Começa a falar com a gente. A peça começa, mas as gravações não param. Claudinha experimenta roupas que lhe entram. (Tenho um armário cheio de calças que não me entram e camisas que ficam curtas.) A história com o ex-namorado, relacionamento de um mês de trinta e um dias (Já tive meus namoros de mês também, buá buá buá), começa a ser lembrada. Droga! Perdi! Não vi a gravação parar. Me escapuliu de novo. Fiquei preso na história e me esqueci. É como a gente nunca consegue ver que dormiu. Quando a gente está vendo, não estamos dormindo. Quando estamos dormindo, não conseguimos ver. Em “
Dona Gorda”, a gente entra na história e não vê que isso aconteceu.E que sonho bom! Daqueles perfeitinhos, sabe? Não é dos do tipo felizes. É daqueles que, quando você levanta, diz: “Nossa! Parecia real!” E, no caso da peça escrita por Lisiane Berti, é: “Parece eu!” Não tem como você não se identificar. Não há pessoa no mundo que, um dia, não se achou acima do peso. Sejam 100 gramas ou 30 quilos, todo mundo, em algum momento, se olhou no espelho e disse: “maldita sobremesa!” Mas não é só pela fácil identificação que a dramaturgia é boa: é porque preenche o espaço de tempo de uma forma tão cativante que cria outra linha de tempo, paralela, auxiliar, opcional, NARRATIVA. A gente embarca nessa linha motivados, sim, pela identificação, mas fica nela porque ela nos traz aventuras (o não resistir à geladeira), raiva (as piadinhas na balada) e emoção (o choro no táxi), além de elevar nosso espírito e nos devolver ao tempo real renovados, almas cheias, espírito forte.A Claudinha de Lúcia é ágil, é carismática, é bonita, é uma criança que precisa de cuidados, mas que gosta de se sentir adulta para fazer o que quer e atingir seus próprios desafios. Provoca na gente um sentimento tão humano de não querer que ela sofra, desperta vontade de protegimento, requer nossa compaixão. A atriz tem noção de ritmo, é sensível à platéia (seja a de mais de 700 pessoas que lotaram o Auditório Pe. Werner da Unisinos na primeira vez em que eu vi, ou a Álvaro Moreyra.), tem um trabalho de personagem tão forte que lhe permite improvisar com elegância, e, acima de tudo, vive a peça em todos os sentidos exibindo um prazer em estar ali que é raro encontrar mesmo em monólogos.Essa história de dizer que gordo come qualquer coisa é desmentida em “Dona Gorda” de Paulo Guerra. Nossa gorda Claudinha, não vive de qualquer coisa. O cenário (Tânia Castro) é uma das melhores coisas numa produção que só tem o melhor. Os ambientes trazem surpresas, promovem o clima e preenchem o espaço de um jeito a ocupar o vazio com sentidos que convertam para o centro. A forração dos móveis trazem sentidos. A decoração da rua traz sentido. A manequim traz sentido. Nada é desperdiçado, nem mesmo uma migalha de pizza. O mesmo para o figurino (Luciana Éboli), para a trilha (Jean Presser) e para a luz (Anilton Souza). Cada caloria existente, cada centavo empregado, cada minuto gasto é muito bem utilizado nessa comédia tão deliciosa da Cia. Halarde que nos faz rir e nos permite enternecer.Alguém poderia dizer que a culpa por eu não ter notado o exatamente onde a gravação inicial desapareceu é do Zé Mário Storino, operador de som, que foi diminuindo o volume cada vez mais. Eu prefiro lembrar que, quando a comida é boa, por mais calórica que a gente saiba que ela seja, à mesa, dá indigestão pensar em números. "


teatropoa.blogspot.com
Crítica Teatral de Rodrigo Monteiro
14/02/2009

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