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sábado, 22 de julho de 2017

A despedida da "etérea" Clarice Ziegelmann



O ano era 1996 e eu subia ao palco ao lado da minha então professora e diretora Clarice Ziegelmann que eu já conhecia  desde 1995. Era uma responsabilidade imensa atuar ao lado dela, eu uma "fedelha" do teatro, que mal começava a escrever e atuar há dois anos... o texto era meu, "O Etéreo", éramos mãe e filha, mortas, ligadas pelo nosso cordão umbilical, numa espécie de "limbo", acertando as contas... (sim, eu já era dramática naquela época e não sei porque cargas d´agua adorava falar de morte, meu primeiro monólogo foi "O Monólogo de Um Velório").
Ontem, 21 de julho, perto do meio dia quando recebi a notícia que me deu um soco no estômago, de um infarto fulminante justamente nela, começou a vir uma história na minha cabeça...na minha e de muitos da cidade de Canela e Rio Grande, acredito...
Para quem não conhece, ou só ouviu falar, Clarice Ziegelmann era atriz, diretora, musicista, ativista cultural (trabalhou em vários órgãos culturais em Canela e região), criadora e diretora da Cia Palco Meu em Canela, da qual eu e muitos outros atores passaram... mulher, mãe, avó, batalhadora incansável, gênio difícil às vezes, mas nunca intransigente, sempre de unhas azuis compridas (amava azul), cartomante de primeira (já fui várias vezes ver tarot com ela), adorava um café assim como eu, e não tem como falar em teatro em Canela sem falar nela, na Clarice, na vó da Valetina (que foi minha aluna esse ano), na mãe da Ingrid que eu brincava de barbie quando ia nas jantas na casa da Clarice e ela era pequena...
Clarice mexeu com a classe artística, sobretudo ontem, quando nos deixou rapidamente, sem nem sequer ter tempo de respirar. Meia noite estávamos lá, atores de todas as idades, diretores, amigos, o olhar de espanto, trocas de abraços, poucas palavras e muitas reflexões...
Como nessas horas tiramos tempo e nos encontramos? Como nessas horas deixamos picuinhas de lado e simplesmente nos apoiamos...assim devia ser sempre... mas sabemos que não é... a vida é corrida e somos produto dela, querendo ou não...
Entre choro e abraços, vinham boas lembranças, boas histórias, as últimas mensagens trocadas. Ela ia apresentar seus textos numa leitura dramatizada semana que vem e estava empolgadíssima, havíamos falado e ela disse: "te espero lá, não aceito recusas..."
Não escrevo esse texto somente porque ela "voltou para a casa", sempre mantivemos contato, e o projeto 3x4 Teatro em Canela nos reaproximou... no início do ano quando a neta fez o intensivo infantil ela, daquele "jeitão" dela, me disse: "só deixei ela fazer porque era contigo, gosto muito do teu trabalho..." Quem conheceu a Clarice sabia que ela não era mulher de recados, era clara, precisa, honesta e verdadeira, falando o que tinha de falar, doesse a quem doesse ... Já havia me visitado para conhecer Helena, sempre que podia ia assistir minhas peças, eu sempre convidava ela porque sabia que se não gostasse ou gostasse, as críticas eram honestas... Clarice não era "puxa-saca" de ninguém (isso herdei dela)...
Simplificando, decidi escrever para homenageá-la do meu jeito.  A classe teatral está de luto em Canela e sentiu muito essa perda... muito mesmo... é um pedacinho de nós que se vai, os ensinamentos que ficam... Em nome de todos os artistas canelenses que por ti passaram, seja em escolas, na Cia Palco Meu, oficinas, GRATIDÃO!!! Honraste a palavra TEATRO e soube nos colocar no caminho do amor a Arte com maestria. Aprendemos muito contigo. Te respeitamos! Te honramos! Seguiremos nossos caminhos, mas não esqueceremos que em algum momento fizeste parte das nossas vidas, da nossas histórias nesses palcos de rua, de festivais, de escolas, de eventos... 
E como em 1996, cortamos nosso "cordão umbilical" agora "profe", você passou para outro estágio rapidamente, e tenho certeza que conscientemente, pois sempre foste muito espiritualizada... Descanse! Apesar que se bem te conheço, já deve estar procurando "palcos aí em cima" para agitar algo, não és do tipo que fica parada... vais gostar do céu, ele é azul, tua cor favorita!
Quanto a tua filha e tua neta, segue tranquila, tem muita gente aqui para apoiá-las, ajudá-las, além da família, a tua família teatral, que ontem se fez presente, não vai te decepcionar...
Seguimos! Firmes e fortes, com coragem para cumprir nosso destino! 
Tuas últimas palavras pra mim esses dias foram: "Lisi, ando com muita dor na coluna e não consigo assistir tuas coisas, mas parabéns pelas tuas conquistas e tua arte concreta!!". Sabes que tem dedo nisso tudo né??? Na verdade eu, e muitos outros é que te agradecemos, por tudo... Valeu Clarice!!!





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