Depois
de ouvir e ler comentários em redes sociais sobre a polêmica crítica de um
“babaca vindo de fora” (termo esse repetido várias vezes nas calorosas
discussões) não poderia deixar de dar minha opinião, mesmo que não solicitada,
então decidi escrever no meu blog onde sempre escrevo e divago pelo único
prazer que me dá a arte da escrita.
Vamos
analisar a situação observando-a de fora: de um lado um ator e diretor
profissional de outro país com formação teatral que escreveu uma opinião
crítica (sem ninguém ter solicitado), do outro vários atores profissionais
também com formação teatral, amadores (não gosto deste termo mas vou usá-lo não
pejorativamente) e pessoas da comunidade envolvidas num dos eventos que para mim
sempre foi um dos melhores de participar,
A Paixão de Cristo, onde sabemos das dificuldades que o evento encontra
para ser realizado e onde sempre temos que fazer “milagres” com pouca verba e
muito esforço. É assim há anos, independente de partidos políticos.
Mas
para falarmos da situação e toda a proporção que ela tomou nos últimos dias,
vamos voltar um pouco no tempo e pensarmos na questão da crítica em si... É verdade que a tradição da crítica teatral brasileira
não é especialmente lisonjeira: com algumas exceções, entre os quais escritores
do gabarito de um Arthur Azevedo ou de um Machado de Assis, que chegaram a ser
críticos atuantes, no seu conjunto ela assumiu, no passado, uma linha
paternalista e acomodada que pouco podia contribuir para a abertura de uma
discussão fértil em torno do teatro. No Rio em 1963, Bárbara Heliodora, apoiada
numa formação erudita e numa inovadora contundência irônica, enfiava saudáveis
alfinetadas em muitos balões excessivamente inflados; Paulo Francis levava a
contundência a extremos ainda bem mais radicais, ao mesmo tempo em que abria em
torno do teatro, pela primeira vez, uma discussão eminentemente política, sem
prejuízo da pertinência das suas colocações estéticas; profissionais
inegavelmente conhecedores do assunto e a ele profundamente dedicados, como
Gustavo Dória ou Henrique Oscar, ajudavam a iniciar o público em muito segredos
do teatro, e estimulavam o seu interesse. O teatro brasileiro, que queimava
etapas na sua evolução, era diariamente discutido nos jornais, que lhe abriam
generoso espaço, com uma vitalidade e um profissionalismo à altura do seu
progresso.
A partir de 1964, e com maior nitidez a partir de 1968, a crítica viveu outro
capítulo significativo, embora num contexto diametralmente oposto ao anterior:
num momento em que o teatro se via esmagado pela mais brutal ação da censura e
de outras formas de repressão de toda a sua História, a crítica – embora ela
também, como todo jornalismo, sujeita a pressões impiedosas – assumiu
bravamente a defesa da liberdade de expressão do teatro, e cumpriu um papel
significativo neste campo de batalha.
Problemática, polêmica, ameaçada de
falência e de estar à margem do seu próprio universo de atuação, ela não se
cala. Sob olhares desconfiados por todos os lados ela permanece, há séculos,
como pedra, sobrevivendo aos que não lhe querem. Maldita, é infalível e
independente. Se não há mais lugar para ela aqui, encontra acolhimento ali,
transita, transmuda, se move. A crítica não está falida, não está morta e
pertence mais ao mundo da arte do que muitos eventos que se autodenominam
artísticos. Ela está apenas em crise. Bom para ela: este é o seu habitat
natural. Em 2008 quando fazia minha primeira temporada com a peça “A Encalhada”
em Porto Alegre, um crítico foi assisti-la e publicou num blog (que existe até
hoje) as piores coisas que eu podia ler sobre minha peça. Entrei em choque!
Reli várias vezes, pesquisei quem era o crítico e publiquei no seu blog, onde
havia a crítica da minha peça e toda a “elite cultural de Porto Alegre” poderia
ler, que agradecia sua crítica e ia pensar a respeito.Ele agradeceu minha
elegância e até hoje nos comunicamos. A crítica pode ser acessada, pois o blog dele permanece ativo. Depois de 6
anos fazendo a peça olho para trás e vejo que realmente tinha várias coisas a
melhorar, mas continuo discordando de outros pontos.
Voltamos a polêmica da crítica
publicado no face do “cidadão de fora” que foi compartilhada em outro face com
um cabeçalho maldoso justamente para gerar polêmica. Não sei se todos entenderam
o que leram, eu honestamente tive de ler duas vezes a opinião postada em
espanhol, porque continha várias metáforas, e cá para nós, podia ser postada em
russo que ia gerar a mesma polêmica, pois a questão não é o idioma, é outro que
logo falaremos. O que se desenrolou dali foi uma série de comentários que se
analisarmos friamente, parece de pessoas que foram lendo os comentários dos
outros e “seguindo o fluxo” de xingamentos, desabafos magoados, raiva coletiva
entre tantos (alguns posteriormente apagados) com ressalva a diretora e
produtora do espetáculo que respondeu com toda a classe, dando uma opinião
eloqüente, e quem a conhece sabe que ela é realmente assim.
Não vou defender lados, nem dar minha
opinião sobre o espetáculo, quem me conhece sabe que não costumo fazer isso em
rede social e quando faço geralmente é falando com as pessoas que pedem minha
opinião e realmente tem interesse nela, o que não é o caso. O que venho
questionar aqui é a proporção que isso tomou em segundos e virou o assunto do
momento na nossa pacata Canela (que de pacata não tem nada) e a argumentação utilizada
para discutir o assunto que me deixou muito triste. Poxa, porque essa “união”
não acontece quando temos que formar nosso conselho de cultura, quando
precisamos reivindicar melhores condições ou simplesmente participar de um
manifesto em homenagem ao Dia do Teatro, onde nem a metade dessa mesma massa
cultural sequer apareceu?
O cidadão em questão foi trazido por
mim para a maratona de monólogos, onde na ocasião foi jurado, juntamente com
outras duas pessoas, com o único propósito de analisar e criticar para
aperfeiçoar os trabalhos apresentados. A mesma pessoa também realizou oficinas
na nossa cidade no mesmo evento e posteriormente em outros espaços, onde muitos
que estão no elenco da Paixão de Cristo tiveram a oportunidade de conhecê-lo, e
sabem como ele é e como se posiciona, mesmo quando não é chamado. A mesma
pessoa dirigiu dois trabalhos na minha Cia como “Fantoches”, onde no final nos
propusemos a abrir bate papo ao público para que criticassem nosso trabalho. A
mesma pessoa criticou duramente outro monólogo meu, onde na ocasião além dele,
haviam convidados, os quais respeito a opinião para irem assistir e criticar
novamente meu trabalho. Deixo claro que divergimos em opiniões principalmente
quando o assunto é Stanislavisky e que não sou o tipo de pessoa que “segue” idéias
sem questionar e estudar profundamente o assunto.
O espetáculo em questão é dirigido
por duas pessoas também conhecidas por mim, um formado pela Escola de Teatro de
Pelotas e a outra com um vasto currículo de atividades culturais na região,
inclusive realizando trabalhos pela minha Cia. No elenco, alunos, ex alunos,
colegas, amigos de longa data, pessoas que ensaiaram muitos dias no frio Parque
do Lago, buscando dar o seu melhor, junto com toda a equipe que também já
trabalhou comigo em diversos outros eventos. Respeito ambos os lados, pelas
suas trajetórias, pelos seus trabalhos, pelas suas perspectivas de fazer e se
envolver com arte. Sempre procuro tirar algum ponto positivo de tudo, e tenho
tentado nos últimos dias pensar o que preciso aprender com tudo isso. Questões
para pensar:
1) Será que todas as pessoas que vem
de fora com algum conhecimento, querem “tirar nosso lugar” e “impor” o que
sabem quando dão uma opinião imparcial (imparcial porque justamente é de fora)?
Vocês realmente acreditam nisso? Somos tão medíocres assim? Me incluo no
“somos” porque já recebi crítica de “gente de fora” não só em Canela mas em
diversos festivais e eventos que participei, em outros países em que fui e eu
era a “gente de fora” que ia mostrar trabalho e dar a cara a tapa. Na verdade
quem trabalha com arte sempre dá sua cara a tapa, mas na verdade nem sempre
estamos preparados para sentir a dor do tapa, e aqui mais uma vez me incluo,
porque sempre sou alvo de críticas. Recebemos duras críticas no espetáculo “Simplesmente
Natal” e o que e de gente daqui mesmo, da cidade. E isso não foi o fim, talvez
o começo...
2) O que gerou tamanha polêmica foi
realmente a opinião (com ar arrogante mas com argumento teatral) de um “babaca
de fora” ou porque a pessoa em questão fez alguns trabalhos comigo? Aqui sem
ego, porque não sou melhor do que ninguém!
Enfim, poderia escrever durante horas
porque argumentos e experiência no ramo não me faltam assim como muitos do
assunto em questão, justamente nesses eventos que aprendi muito sobre produção,
coordenação, trabalho em equipe, nas épocas em que trabalhei com Elias da Rosa,
Paulo André, Tiago Melo, Jerry e Lucia entre tantos outros que não vou
esquecer.
Honestamente, se o cidadão é um “babaca
de fora”, não dêem foco, tensão gera foco já dizia Peter Brook, sigamos com
nossos trabalhos, cada um sabe onde aperta seu sapato, cada um sabe da sua
história e seus valores. Não vai ser a opinião de um “forasteiro” ou de
qualquer pessoa que vai diminuir quem somos, sempre digo as pessoas que trabalham
comigo que em primeiro lugar faço teatro para mim, para minha realização,
depois vem o público que sempre deve ser levado em conta e pelo que li e vi nos
“posts” o espetáculo emocionou, o elenco estava satisfeito com sua atuação, a
direção cumpriu com seu objetivo. Bingo! É isso que vale! Não precisamos que
venham nos dizer quem somos ou como fazemos, mas precisamos sim aprender a não
levar a crítica seja de quem for, tão pessoalmente e nos ofendermos e nos
magoarmos...isso só nos faz mal! Imagina se a Bárbara Heliodoro viesse assistir
nossos espetáculos em Canela? Enfartaríamos? Ou quem sabe aproveitaríamos para
um caloroso bate papo maduro? Eu ia sentar horas do lado dessa mulher com um
gravadorzinho..
Da minha parte continuo fazendo meu
trabalho, desenvolvendo minhas idéias, buscando, levando “tapas na cara”,
recomeçando, redescobrindo, amadurecendo assim como muitos por aqui. Ainda acho
que temos que deixar picuinhas de lado e focarmos no que realmente interessa,
no que realmente possa agregar ao nosso trabalho. O que agrega sempre nos
fortalece, o que não serve, filtramos, diluímos, DELETAMOS!
De qualquer forma, seria difícil não
concluir que a crítica é característica indissociável do pensamento do homem
moderno. A atitude crítica é uma forma de estar no mundo que é própria ao nosso
tempo. Enquanto estivermos por aqui, ela também vai estar. E sempre que houver
algum tipo de soberania em jogo, ela vai ser um problema. E se o que estiver em
jogo for a sabedoria/humildade, ela, a crítica, será sempre um coeficiente de
construção, afinal para ser um bom artista, é preciso ser um bom ser humano já dizia
o diretor Rodrigo Cadorin, que sempre faço questão de que vá assistir e
criticar os meus trabalhos, isso aplica-se também aos fotógrafos, que em nossa
cidade mostram-se fomentadores de opiniões, que prevaleçam sempre as positivas/construtivas porque essas sim nos elevam o espírito e nos tornam seres humanos melhores, afinal bons seres humanos são também bons profissionais, e a recíproca também procede.
Me coloco à inteira disposição de
ambas as partes da polêmica para quaisquer esclarecimentos (pessoalmente),
porque esta será minha única publicação na rede em relação a este assunto que
ramificou de uma forma absurda. Afinal tenho visto que cada um escreve o que
quer, ouve o que não quer e interpreta
da forma que melhor lhe convém. Uma pena tudo isso!
Lisiane Berti
Um comentário:
Belo texto, Lisi. Vou assistir amanhã o espetáculo de coração aberto, para apenas isto, sem motivos críticos além. Sei que está muito emocionante.
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